Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), produzido pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), revelam que o número de presos no Brasil aumentou 168% de 2000 a 2014. O grande número de detentos – em dezembro de 2014, eram 622 mil – não foi suportado pelas prisões brasileiras, que, apesar de ter recebido mais vagas (triplicou no período 2000-2014, segundo a Rede Justiça Criminal), passou a operar em permanente superlotação. Hoje, o país teria capacidade de encarcerar apenas 371 mil pessoas – ou seja, há um déficit de 250 mil vagas. O Brasil também está no sentido contrário de países como os Estados Unidos, em que o encarceramento tem caído.

Essa deterioração do sistema prisional, segundo o Depen, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e entidades da sociedade civil, tem relação com diversos fatores, que não se resumem apenas ao aumento da criminalidade. Várias ações do Estado brasileiro nos últimos anos explicariam em grande parte os problemas que estamos vivenciando hoje. Uma observação importante: estes não são os únicos fatores que levaram à crise atual; por si só, eles não explicam totalmente o problema.

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 EFEITOS DA LEI ANTIDROGAS

 Foto: PRF Paraná/ Reprodução Flickr.

Antes da sanção da nova Lei de Drogas, o país tinha 47 mil presos por tráfico de entorpecentes. Hoje, a cifra chegou a 138 mil – ou um a cada quatro presos. No caso das mulheres presas, a situação é ainda pior: 64% delas estão ligadas ao tráfico. O crescimento de detentos nesse período teria relação com a nova legislação.

A nova política de drogas adotada a partir de 2006 trouxe a distinção entre usuário e traficante. O usuário de drogas – que apenas utiliza substâncias ilícitas para seu próprio consumo, sem comercializar – passou a ser condenado a penas leves, como advertência, prestação de serviços comunitários ou medidas educativas. Já o traficante – aquele que pratica atividades relacionadas à produção, distribuição e comercialização das drogas – é condenado de 5 a 15 anos de prisão, mais multa de 500 a 1.500 reais. Na lei anterior, de 1978, ele era condenado de 3 a 15 anos, mas a pena mínima foi aumentada, a fim de evitar que a detenção fosse convertida em medidas alternativas (o que só ocorre quando a pena é inferior a 4 anos de prisão).

Se a nova lei reconhece que prender o usuário não é a melhor solução – o que teoricamente diminuiria a pressão no sistema carcerário – então como ela se relaciona com a piora da situação nas prisões? Segundo entidades ligadas à Rede Justiça Criminal, a grande questão é a subjetividade da lei. A diferença de usuário e traficante é definida pelo juiz, que analisa oito critérios diferentes, incluindo a “natureza” e a “quantidade da substância” que o suspeito carrega, bem como do contexto em que ele foi pego e seus antecedentes. Pequenas quantidades não necessariamente são interpretadas como sinal de que se trata de um usuário, porque isso poderia ser uma brecha na lei; os traficantes passariam a andar com pequenas quantidades de drogas por vez, e assim se livrariam da prisão.

Ocorre que muitas pessoas têm sido presas com pequena quantidade de drogas, baseadas apenas no relato do policial e sem contar com advogado no momento da prisão, situação bastante desfavorável ao acusado. Jovens de baixa escolaridade e socialmente vulneráveis são os mais aprisionados dessa forma. Isso aumenta a suspeita de que muitos dos traficantes que lotam as cadeias brasileiras seriam, na verdade, apenas usuários de drogas.

O EXCESSO DE PRISÕES PROVISÓRIAS

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil.

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Dos mais de 600 mil presos no Brasil hoje, cerca de 250 mil, ou 40% do total, são presos provisórios. A maior parte dessas prisões surge depois de uma prisão em flagrantePrisões em flagrante levam a prisões provisórias em 94,8% dos casos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Infopen revela que 26% desses presos ficam detidos por mais de três meses. Há relatos de pessoas que viram o juiz pela primeira vez depois de passar mais de dois meses no cárcere.

Esses números demonstram que a prisão provisória tem sido usada mais como regra do que exceção – e que ela se tornou uma forma de antecipar a execução da pena. Tomar medidas para alterar esse quadro pode melhorar a situação do sistema, pois uma parte desses presos poderiam ser liberados. Uma forma de atenuar o problema é a audiência de custódia, em que o preso em flagrante tem acesso a um juiz em até 24 horas após a prisão. Esse juiz avalia o caso e decide se a continuidade da prisão é necessária. A adoção de audiências de custódia diminuiu o nível de prisões provisórias após flagrante para 53% na cidade de São Paulo, de acordo com o CNJ.

Vale notar que o número de presos provisórios brasileiros é semelhante ao déficit de vagas. Evidentemente, não é possível dar liberdade a todos os detentos nessa condição, mas a revisão desses casos poderia significar um alívio no problema.

USO DE REGIME FECHADO MESMO QUANDO HÁ PENAS ALTERNATIVAS

Foto: Alexandre Carvalho/Governo do Estado de São Paulo.

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Segundo Isadora Fingermann, diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o Poder Judiciário também possui parcela de responsabilidade na superlotação das cadeias. Além do grande contingente de presos provisórios, existe o problema das condenações a regime fechado sem necessidade. Em casos de condenações a menos de oito anos de reclusão, o condenado pode cumprir pena no regime semiaberto ou aberto desde o início, segundo o Código Penal. Enquanto 53% dos presos foram condenados nesses termos, apenas 18% cumprem pena em regimes mais brandos – a maior parte cumpre regime fechado, apesar das possibilidades dadas em lei. Também há milhares de casos de presos que continuam no regime fechado mesmo quando poderiam passar para o semiaberto, segundo dados do Depen.

Menos pessoas cumprindo regime fechado significaria menos pessoas nas celas brasileiras. Hoje, existem 164 mil vagas no regime fechado, para 250 mil presos em tal regime, segundo Fingermann.

PRISÕES NÃO CUMPREM PAPEL DE RESSOCIALIZAÇÃO E FORTALECEM O CRIME

Com cadeias precárias e superlotadas, é praticamente impossível pensar em políticas de ressocialização de presos no Brasil. Nesses ambientes insalubres, o crime organizado encontra espaço para se fortalecer e desenvolver suas atividades. É das cadeias que facções têm planejado e executado a venda e distribuição de drogas. As prisões também são oportunidades de aliciamento de novos traficantes. Para garantir sua própria sobrevivência, outros presos, menos perigosos, acabam se submetendo à hierarquia das gangues presentes nos presídios. Quando tais pessoas deixam o cárcere, voltam ainda piores para o convívio social. Esse diagnóstico é trazido por diferentes especialistas.

Finalmente, é preciso destacar que o Estado também falha em fornecer estrutura adequada nas penitenciárias, de forma que em muitos casos não ocorre separação adequada dos presidiários, nem atividades que visem à ressocialização do preso, como educação e cursos profissionalizantes.

Como já afirmamos, esta não é uma lista exaustiva dos fatores que levaram à crise penitenciária brasileira. A solução para o quadro lastimável do sistema carcerárias envolve também resolver outras questões, como a melhoria da educação básica e o desmantelamento do crime organizado. Porém, o alívio da superlotação das prisões e políticas efetivas de ressocialização depende também da resolução das questões apresentadas.

Referências:

Deutsche Welle: aprisionamento em massa e facções criminosas – CNJ: prisões provisórias – Rede Justiça Criminal: informativo – Ministério da Justiça: Infopen dez. 2014 – Infopen jun. 2014  – Nexo: Lei de Drogas – Deutsche Welle: crime organizado nas prisões

Bruno André Blume

Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e editor de conteúdo do portal Politize!.