É campeão! É campeão! É campeão!”. Foi tenso, foi sofrido, foi emocionante, mas a torcida da Seleção brasileira finalmente soltou o grito que estava entalado na garganta. Ninguém sério esperava um 7 x 1, não era uma revanche, mas não precisava de tanto sofrimento. A agonia e o desejo da Seleção e do Brasil por uma medalha de ouro no futebol masculino precisou esperar 140 minutos para se realizar. Depois de empatar em 1×1 com a Alemanha no tempo normal, não fazer gols na prorrogação, o Brasil venceu nos pênaltis, por 5×4, e colocou no peito a medalha de ouro na Olimpíada do Rio 2016.

O empate por 1×1 que levou o jogo para os pênaltis teve momentos épicos. Na primeira vez que a Seleção Brasileira decidiu um título no Maracanã desde a Copa das Confederações, em 2013, muitos acreditaram que o gol da vitória sairia de falta, depois que a cobrança magistral de Neymar cobrou entrou no ângulo direito do goleiro alemão Horn, aos 26 minutos de jogo. No Templo do futebol, na grama sagrada do Maracanã, que testemunhou alguns dos maiores batedores de falta da história do futebol, como Zico, Junior, Juninho Pernambucano, Petkovic, Marcelinho Carioca, Roberto Dinamite, Rivelino, Didi, o gol pra tirar o peso da conquista de uma medalha de ouro em uma Olimpíada teria de vir com um gol de falta. Mas não veio. Os alemães estavam lá pra jogar água no nosso chope, pôr chucrute no nosso churrasco.

Depois de três bolas na trave os alemães empataram o jogo aos 13 minutos, com Meyer, aproveitando duas falhas da defesa do Brasil. Daí pra frente o Brasil teve algumas chances, a Alemanha também, mas ninguém fez o gol. A torcida fez sua parte. Empurrou, gritou, pulou, entoou cânticos menos óbvios do que “Eu Acredito” e o “Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” . Algumas canções divertidas surgiram, como “aha-uhu, o Maraca é nosso” e “Ô alemão, pode esperar, a sua hora vai chegar”. No pior momento do Brasil no jogo, aos 10 minutos do segundo tempo da prorrogação, quando a Alemanha trocava passes e dominava a Seleção, o Maracanã assoviou de forma ensurdecedora, impedindo os alemães de trabalhar a bola.

O festival de finalizações erradas só poderia levar para os pênaltis. Algo lembrava 1994. Naquela Copa do Mundo, com poucos talentos e apenas um craque, Romário, o Brasil foi indo, indo, indo até chegar à final e ganhar da Itália nos pênaltis. Uma Copa do Mundo depois de 24 anos. Menos dramática, a conquista da medalha olímpica também dependeria dos pênaltis. O primeiro da Alemanha e o primeiro do Brasil entraram. Weverton quase defendeu o segundo da Alemanha. Marquinhos empatou para o Brasil, 2×2. O alemão fez o terceiro. A torcida empurrando e Rafinha cobrou com perfeição, empatando. 3×3. Maracanã ensurdecedor, vaiava e assoviava. Mas os alemães marcaram e ficaram na frente de novo. Luan, o menino de olhos tristes e chute preciso, empata. Foi quando o Maracanã veio abaixo. Weverton defendeu a cobrança de Petersen. Estava tudo nos pés de Neymar.

E o gol do título tinha de ser de Neymar. Talvez o mais criticado atleta brasileiro das últimas gerações de craques nacionais foi o protagonista nos momentos decisivos. Quando a Seleção batia cabeça contra adversários frágeis no começo da Olimpíada, ao empatar contra África do Sul e Iraque, foi sobre ele que pesaram as maiores críticas. Foi ele que juntou os cacos e uniu time, respaldando o trabalho de Rogério Micale. Foi ele que fez as melhores jogadas contra a Colômbia, que abriu o placar contra Honduras, e que quase deu a medalha de ouro numa cobrança de falta magistral. Neymar merecia o gol que colocaria a medalha de ouro no peito da Seleção Brasileira pela primeira vez na história. E ele marcou. Brasil 5×4, campeão olímpico, ouro.

Pode até não ter sido uma revanche, mas que foi uma delicia derrotar a Alemanha foi. Esta não é a Seleção titular do Brasil, porque na Olimpíada apenas três jogadores podem ter mais de 23 anos. Mas foi a redenção para uma equipe que começou mal, fez duas partidas desastrosas contra África do Sul e Iraque, e evoluiu durante a competição, apresentando um futebol alegre, plástico e bonito nas partidas contra Dinamarca, Colombia e Honduras, e no primeiro tempo contra a Alemanha. Foi também a final que o Maracanã queria ter visto em 2014 e não viu. Um jogo bonito, cheio de emoções, e que terminou com a tão desejada medalha brasileira.

Mas a vitória na Olimpíada não pode mascarar a e nem vai apagar a maior derrota da história do futebol brasileiro. A vitória do Brasil na Olimpíada não é fruto de um trabalho de base bem executado e nem da lenta lapidação de novos atletas. Mais uma vez, como em tantas outras ocasiões na história do futebol brasileiro, trata-se de sorte: temos uma geração de jovens bons jogadores, que a exceção da Alemanha enfrentaram adversários frágeis e com jogadores menos experientes. Desta vez, não bateu na trave e ganhamos o ouro.

Apesar de derrotada na final da Olimpíada, a Alemanha ainda é a ganhadora no campeonato mais importante: o da organização e da capacidade de revelar jogadores em profusão. O que levou a Alemanha a ganhar um título mundial em 2014, chegar a finais de juniores de maneira consecutiva e também chegar à final da Olimpíada no Rio mesmo com um time sem estrelas foram as mudanças introduzidas no começo do século XXI. “Já antes da virada do século, os clubes eram incentivados pela Federação Alemã e pela Liga de Futebol da Alemanha a melhorar suas academias, promover a integração de jovens descendentes de imigrantes aos seus times de base e a modernizar o seu quadro de treinadores, dando cada vez mais ênfase às habilidades técnicas do jovem aspirante a jogador profissional, e não apenas a robustez física”, escreveram Axel Torres e André Schon, no livro “Gol da Alemanha”, lançado no Brasil pela Editora Grande Área.

Esse tipo de mudança estrutural ainda está longe de acontecer no futebol brasileiro. O 7 x 1 não serviu para chacoalhar as estruturas do futebol brasileiro e consertar seus inúmeros problemas. É verdade que Rogério Micale conseguiu implementar um sistema de jogo moderno, com um time compacto em que quase todos marcam e saem ao ataque com a mesma intensidade e competência, o que limitou, e muito as infiltrações e tirou os espaços da Alemanha. É o que se espera que Tite faça na Seleção principal depois da saída do confuso e ultrapassado Dunga.
Mas apenas um técnico melhor pode não fazer verão. A construção de uma geração de jogadores mais adaptadas ao futebol moderno depende de uma renovação total, não apenas da sorte de aparecer um craque ou um grupo de bons jogadores. Na noite de hoje, o Brasil conseguiu, mais uma vez, superar seus problemas e conquistar a aguardada medalha de ouro. Para conseguir sempre bons resultados, no entanto, será preciso mais do que isso.