“Ele parecia estar fraco, com os olhinhos já fechados, mas eu pedi pra ter força, que ele ia aguentar”. Essa é a última lembrança que Humberto Santana Vieira, 18 anos, guarda do irmão,  Lucas Silva Santana, 12. Foram oito horas soterrado e após o trabalho, que envolveu e emocionou voluntários e bombeiros, o garoto foi retirado com vida dos escombros de quatro casas destruídas no deslizamento de terra da Rua Coronel Pedro Ferrão Costa, na Baixa do Fiscal, na tarde de domingo. No local, morreram três pessoas, incluindo a mãe dele, Sandra Silva Santana, 36. Seis moradores ficaram feridos.

O garoto, porém, não resistiu aos ferimentos e morreu às 5h20 de ontem, após sofrer uma parada cardiorrespiratória no Hospital do Subúrbio, para onde foi socorrido numa ambulância do Samu. Os médicos ainda tentaram reanimá-lo, mas não adiantou.

O corpo dele foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML), onde deve passar por perícia, para detectar a causa da morte. Com Lucas, o número de mortos por causa das chuvas em Salvador este ano chega a 19 — no último dia 27 foram 11 na localidade do Barro Branco (Avenida San Martin) e quatro no Marotinho (Bom Juá);  e, agora, mais quatro na Baixa Fiscal.

Lucas, que no dia anterior representou a esperança ao sair com vida dos escombros, deixou consternada toda a comunidade. Ontem pela manhã, os irmãos do menino, Humberto e Mariana, 16, não continham as lágrimas diante da tragédia. Além de já sofrerem a perda da mãe e do tio Sival Silva Santana, 33, ainda no domingo, amanheceram com a notícia da morte do irmão.

Sem ter para onde ir, os dois contaram com o apoio dos vizinhos para enfrentar o dia seguinte. “Perdi tudo, minha mãe, meu irmão, meu tio, minhas roupas, tudo, até meu emprego”, contou Humberto, que trabalhava na Sorveteria Picolé Pingo Doce, que foi completamente destruída pelo barro que desceu da encosta.

O dono da sorveteria, Hamilton Couto, estima o prejuízo em R$ 400 mil. “Meu maquinário era novo, investi muito na sorveteria e não sei o que fazer agora”, contou, enquanto tentava recuperar algum material. Os vizinhos se juntaram para ajudá-lo e recolher carrinhos utilizados para vender o sorvete e até equipamentos eletrônicos. Nas casas atingidas, moradores tentavam recuperar alguns objetos como fogão, sofá, armários, e roupas.

‘Mar de barro’
Humberto conta que estava a poucos metros de casa, conversando com amigos na rua e só viu quando um “mar de barro” tomou conta do lugar. Ele morava em uma casa menor atrás da casa mãe, e a irmã, em outra casa também atrás. Os três imóveis foram destruídos.

Mariana também não sabe como vai ser daqui para frente. Ela e o marido, o marceneiro Janilson Nogueira, 34, passaram a noite na casa de vizinhos e não sabem como vão recomeçar. “Não conseguimos salvar nada, nem os documentos. Não temos para onde ir”, disse Mariana.

Até as 17h de ontem, os corpos de Lucas, Sandra e Sival, permaneciam no IML. O enterro está sendo organizado por um parente próximo e ainda não há data definida. O corpo de Delcik Barreto Venas, 64, também morto no deslizamento, será enterrado às 11h de hoje no Cemitério Campo Santo.

Força
Os filhos de Delcik estavam inconformados. Todos conseguiram se salvar, mas o pai, que precisava de ajuda para andar, acabou soterrado. “A casa era frente de rua, ninguém nunca imaginou que esse barro ia chegar até aqui. A gente esperava que um dia caísse, mas não com essa força toda”, contou Antônio Carlos Vaisi, 34.

Na hora do deslizamento, ele estava na casa de outro irmão, que tem o quintal para a encosta, quase ao lado da casa do pai, mas que não foi atingida. “Eu estava dando comida para as galinhas quando o povo lá de cima começou a gritar que estava caindo, mas a gente não acreditou. Daqui a pouco, lá vem o barro”, relatou.

Nessa mesma casa, oito pessoas participavam de um culto na hora do deslizamento. Quando ouviram o barulho, todos saíram correndo, ainda por cima do barro e restos das casas para tentar se salvar. “Só olhei para trás para ver se o barro ainda tava correndo e depois corremos por cima das coisas mesmo com medo de cair mais”, lembrou Antônio Carlos.

Também filho de Delcik, Claudio Jesus Vaisi, 32 anos, tinha dado almoço para o pai e saiu com o irmão Renato, para almoçar também. Logo depois de sair de casa, o deslizamento aconteceu e não houve tempo de resgatar o pai. A cadeira de rodas ficou retorcida no meio do entulho.

Área de risco
Segundo o diretor-geral da Defesa Civil de Salvador, Álvaro da Silveira Filho, equipes do órgão já teriam visitado a localidade em semanas anteriores à tragédia. Lá houve a identificação de áreas de risco nas proximidades, no entanto, o ponto onde houve o desmoronamento no domingo não foi identificado pela Defesa Civil.