Portugueses estão em extremas dificuldades com a crise cambial em Luanda. Muitos não conseguem pagar as despesas e chegam a gastar metade do salário a trocar dinheiro.

Angola era o destino ideal. Bons ordenados, ajudas de custo e em muitos casos casa paga. Muitos portugueses procuravam uma vida melhor, mais desafogada, mas tudo mudou. Agora, o país africano é um dos mais afetados pela desvalorização do petróleo e está a braços com uma crise cambial que fez florescer um intenso mercado negro de divisas. Já há quem seja abordado nos semáforos para comprar dólares e quem pague metade do salário para enviar dinheiro para o país de origem.

Com a crise de divisas, muitos portugueses passaram a receber em Kwanzas. Antes conseguiam trocar nos bancos por dólares e viajavam com eles cada vez que vinham a Portugal. Mas já não viajam com dólares. Nos bancos não há: as reservas de dólares nunca estiveram tão baixas, o que tem dificultado a vida a milhares de empresas e trabalhadores no país.

Com as famílias em Portugal e com contas para pagar, somam-se casos de desespero. Nas ruas, aparecem novas formas de resolver o problema. António, construtor de 45 anos, não reconhece as ruas por onde sempre circulou e que agora foram tomadas pelo mercado informal. “Era muito raro vermos dinheiro a ser trocado na rua. Agora, vemos em todo o lado. Os kinguilas, que vendem dólares, estão nos semáforos, à porta dos centros comerciais, em todo o lado. Mesmo com a polícia a ver”.

Com os bancos sem dólares e as empresas sem dinheiro para pagar a trabalhadores e fornecedores, o mercado informal apresenta-se como a única solução para quem está desesperado. Há quem pague metade do ordenado para conseguir trocar o vencimento para dólares e enviar para Portugal.

Há pouco tempo, cada dólar estava a ser transacionado a um câmbio de 155 kwanzas. Na rua, pedem-se hoje mais de 400 kwanzas por cada dólar, o que abre a porta a negócios do mercado negro. As redes sociais são a solução para alguns. No Facebook existem grupos para os mais desesperados trocarem kwanzas por euros e dólares.

Alternativas não ajudam – Com ordenados em atraso, são muitos os que lutam diariamente para conseguir fazer face à falta de dinheiro e ao facto de a moeda angolana apenas servir naquele país. “Tínhamos contas de luxo, agora temos contas de lixo. O dinheiro que temos no banco não serve de nada, a não ser que seja para usar em Angola”, conta Paulo, também ele a viver perto de Luanda, também ele construtor e português.

Quem quiser resolver os problemas através dos bancos, depara-se com transferências que podem demorar meses a serem concretizadas: “Demora muito tempo e, com as taxas sempre a mudar, muitas vezes pedem que seja feita nova ordem de transferência, o que atrasa ainda mais”, explica Paulo.

Além disso, esta solução é complicada porque há tetos máximos de transferências a serem respeitados. Com as reservas de dólares nos bancos angolanos em valores mínimos, as instituições limitaram as entregas de dólares por cliente, por semana.

Uma forma de tirar dinheiro de Angola e fazer face às despesas que têm em Portugal é recorrer às casas de câmbio. Nas neste caso as taxas são elevadas e não são o único problema: também aqui não há oferta de dinheiro suficiente. Frederico, informático de profissão que vive com a mulher em Angola, explica ao SOL que tirar dinheiro é cada vez mais difícil, seja qual for a forma de o fazer. “Há pouco tempo fui às 4h00 para a fila da casa de câmbio. Às 9h00 já não havia dólares para trocar. Estive horas à espera e fui um dos que não conseguiram. E isto é o cenário diário”, descreve, desabafando: “O El Dorado chegou mesmo ao fim”.

Trabalhadores e empresas asfixiam e sofrem com a possibilidade de verem a situação piorar, já que o petróleo continua em queda. Pedro, professor universitário em Angola, lamenta: “Tentar trocar kwanzas fora de Angola é o mesmo que tentar trocar as notas de monopólio”.

# Publicado originalmente no portal do jornal português Sol.