Vânia 1Não me recordo se a conheci em um baile do Renascença, onde a juventude da periferia, sobretudo negra, se reunia para beber, dançar e namorar, naquele clube situado no bairro do Grajaú, na cidade do Rio de Janeiro.

Só sei que estávamos na década de 1980, que eu tinha algo em torno de 18 anos e que, além das minhas obrigações de estudante e de filho, eu – que não tinha namorada “oficial” – não pensava em muita coisa além de beber, dançar e namorar.

Se não lembro ao certo como a conheci, sei que é impossível esquecer de quando ela foi em minha casa – onde não havia mais ninguém além de nós – e ficamos no corredor após a porta de entrada, já que a urgência do desejo não nos deixou adentrar na casa mais do que dois passos. Óbvio que me lembro de outras coisas deste momento, mas seria indiscreto descrevê-las.

Vânia fez parte da minha juventude alegre e livre no Rio de Janeiro. Ela era sobrinha do Escadinha, que era o vulgo de José Carlos dos Reis Encina, o traficante mais famoso daquela época no Rio. Mas o que me importava isso?

Algumas vezes fui na casa dela, no Grajaú. Ela morava no asfalto (ou seja, não morava no morro) em companhia de um avô aposentado, que passava boa parte da velhice em frente à televisão; e com um irmão mais velho que andava bem vestido, não trabalhava, mas saia todas as tardes/noites e dialogava muito bem. Talvez também fosse do tráfico, mas nunca perguntei nem quis saber. Só Vânia me interessava.

Lembro que uma vez fui à casa de Vânia e ela estava sentada no chão, toda moleca, com um monte de figuras de jogadores de futebol que cortara das revistas espalhadas em torno de si, formando mais do que um time de jogadores de clubes diversos. Falei: “- Eu não sabia que você gostava de futebol?”

Ela respondeu: “- Não gosto. Gosto das pernas dos jogadores. Acho lindas.”

Não briguei. Tal sinceridade afastava qualquer possibilidade de briga. E a proximidade de Vânia me convidava para ficar ainda mais próximo dela. Era assim. E era muito bom.

Mas um dia, em 1985, eu vim morar na Bahia, em Ilhéus, e todo este mundo colorido e feliz ficou para trás: Vânia, bailes funk do Renascença e do Mackenzie, praias lotadas, Maracanã e Escola de Samba Unidos de Vila Isabel. Tudo ficou na lembrança. E no coração.

Hoje eu fecho os olhos, lembro, revivo, e tal como o poeta Pablo Neruda, sentencio: Confesso que vivi!

Mas eu vou além de Neruda. Confesso que, na minha juventude, fui muito, muito feliz!

 

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz. e-mail: juliogomesartigos@gmail.com

Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a autoria.