Em uma decisão inédita, a Justiça Federal mandou interromper as transmissões da Rádio Vida por alugar a sua programação para uma igreja evangélica. A rádio, que opera em concessão gerida por empresa do ex-deputado e pastor Carlos Apolinário, alugava horário na grade de programação à Igreja Assembleia de Deus, afrontando duplamente a legislação. A ação foi movida pelo Ministério Público mediante representação do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Deputados e senadores são proibidos pelo artigo 54 da Constituição de 1988 a participar de empresa concessionária de serviço público. E também é ilegal o arrendamento de horários por parte das concessionárias.

Leia a íntegra da matéria da Folha:

Aluguel para igreja causa suspensão de rádio de SP

(Folha de S. Paulo, 26/04/2015) Decisão inédita atinge emissora de ex-deputado, que pode recorrer

Valor do contrato era de R$ 480 mil por mês; para turbinar receitas, emissoras do interior migram para a capital

Em uma decisão inédita, a Justiça Federal mandou interromper as transmissões da Rádio Vida por alugar a sua programação para uma igreja evangélica.

A juíza federal Flávia Serizawa e Silva também determinou o bloqueio dos bens do ex-deputado Carlos Apolinário, dono da emissora, e do pastor Juanribe Pagliarin, líder da Comunidade Cristã Paz e Vida, que arrendava a rádio. Cabe recurso.

Trata-se da primeira decisão judicial em uma ofensiva movida pelo Ministério Público Federal contra o milionário mercado de aluguel de emissoras –uma prática disseminada pelo país, mas vetada pelo Código Geral de Telecomunicações, que proíbe o arrendamento de emissoras de rádio e TV, que são concessões do poder público.

Embora a decisão seja de 27 de março, a rádio continuava operando normalmente na frequência 96.5, até a semana passada, porque ainda não havia sido notificada. O bloqueio das contas bancárias foi efetivado porque a juíza incluiu os dados do ex-deputado e do pastor no sistema do Banco Central.

Há pelo menos quinze emissoras de São Paulo que adotam a prática, segundo a Folha apurou. De acordo com um dos contratos anexados aos autos, a Rádio Vida foi alugada por R$ 300 mil por mês entre janeiro de 2009 e dezembro de 2013 –R$ 18 milhões em cinco anos.

No ano passado, o aluguel foi reajustado para R$ 480 mil. Mas a parceria entre o pastor e o ex-deputado chegou ao fim em março de 2014, depois que as transmissões foram interrompidas e os equipamentos de transmissão, lacrados no curso de uma outra ação que corre na Justiça Federal de Mogi das Cruzes (SP).

Um componente fundamental para aumentar as receitas do aluguel de rádios é a “paulistanização” das emissoras –uma série de estratagemas que permitem transformar pequenas concessões de alcance limitado no interior em potências da radiodifusão na capital.

Segundo a ação civil pública movida pelo procurador Jeferson Aparecido Dias com foco no aluguel da emissora, a Rádio Vida ampliou, sem autorização da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), de 30kW para 100 kW sua potência de transmissão.

SEDE

No endereço da periferia de São José dos Campos onde a Rádio Vida deveria estar sediada, segundo a outorga original, não há nada que lembre o funcionamento de uma rádio, com a exceção de uma antena nos fundos de um quintal.

Na casa que deveria abrigar os estúdios e a operação da emissora vive somente um casal que toma conta da propriedade do ex-deputado.

A sede de fato fica num sobrado em Santana, zona norte da capital paulista, a mais de 90 km de distância.

Isso só é possível porque a Rádio Vida instalou um transmissor –clandestino, segundo o Ministério Público Federal– no alto da serra de Itapeti, em Mogi das Cruzes, permitindo que o sinal chegasse à Grande São Paulo.

A antena na serra motivou a decisão da Justiça de Mogi das Cruzes que suspendeu as transmissões no ano passado e levou ao fim do aluguel da Rádio Vida pela Paz e Vida. Apolinário conseguiu reverter a medida na Justiça.

A questão voltou à tona na nova ação civil pública, agora com ênfase na questão do aluguel da programação.

“Há dupla usurpação de bem público pela Rádio Vida, que ampliou sem autorização sua potência […] e transferiu seu sistema irradiante para Mogi de forma a atingir toda a Grande São Paulo; e [também] ‘alugou’ sua concessão mediante vultoso ganho financeiro”, escreveu a juíza.