Já na próxima segunda-feira (22) uma comissão formada por representações da Câmara de Vereadores, Prefeitura de Ilhéus, empresas concessionárias, entidades do turismo e do comércio, universidade e sociedade civil organizada inicia um trabalho de análise do contrato que a Prefeitura tem com as empresas Viametro e São Miguel, detentoras da concessão do transporte público em Ilhéus, e as tratativas para o cumprimento do decreto municipal em vigor desde setembro, que determina o retorno de 100 por cento da frota às ruas o mais urgente possível. O encontro será às 9 da manhã, na Sala de Comissões do Palácio Teodolindo Ferreira, sede do parlamento municipal.

Esta foi a principal decisão tomada na Audiência Pública Remota realizada ontem (17) à tarde pela Câmara Municipal, atendendo à solicitação do vereador Augusto Cardoso, o Augustão (PT), presidente da Comissão Permanente de Transporte, no Poder Legislativo. “Iremos por partes. Primeiro assegurar medidas mais imediatas como o retorno dos ônibus em sua totalidade. Depois vamos debater o modelo de serviço que é oferecido à população e se as empresas estão, de fato, cumprindo as diretrizes do contrato em vigor”, afirma.

Contrato antigo e longo

De acordo com o Procurador Geral do Município, advogado Jéfferson Domingues, o que está em vigor em Ilhéus é um contrato assinado em 2000, com vigência inicial de cinco anos, que prevê uma prorrogação automática por igual período, durante cinco períodos consecutivos. “Este é um serviço bastante desacreditado pela população. É um desserviço que é prestado e as empresas precisam cumprir o que está no contrato”, queixa-se o vereador Ivo Evangelista (Republicanos).

Para as empresas, a situação da pandemia prejudica as atividades do segmento de serviço e que, por conta disso, hoje é analisada a capacidade de demanda e que está sendo oferecido à cidade é mais que o dobro do que o sistema atende. Alegam que há uma análise técnica que comprova os números. Asseguram que estão fazendo o que definiram como um “movimento hercúleo” para atender a necessidade da população. Mas que a conta tem que fechar e o que está sendo, hoje, atendido, é o que é possível atender, “com apenas 2 por cento dos ônibus apresentando aglomerações”. Eles atribuem parte da crise ao constante aumento de combustível mais a concorrência desleal de taxis clandestinos.

Cenas de aglomeraçãoMas a população tem apresentado – e se queixado – registrando inúmeras cenas de aglomeração, críticas contundentes ao serviço e apenas uma parte da frota disponível para atender ao ilheense das zonas urbana e rural, situação confirmada pelas próprias empresas que alegam estar tentando, desde o ano passado, dialogar com a Prefeitura “na tentativa de trazer equilíbrio para que consigam voltar à normalidade”. Durante a pandemia, a população acusa as empresas de serem um dos principais instrumentos de proliferação da Covid-19. Para o vereador Paulo Carqueija (PSD), as empresas desejam provocar o caos, de forma deliberada, para tirar proveito. “Eles querem o fim de carga tributária, das obrigações que não cumprem. Se prostram como se fossem vítimas. Mas estão num movimento deliberado e perverso querendo mais lucro. Não importa a que preço custe à população”.

“O sistema de transporte da cidade está falido”, reforça Jerbson Moraes, presidente do legislativo. “As empresas demonstram não ter mais interesse financeiro pela cidade”, continua, acrescentando que esse total desinteresse tem gerado falta de capacidade de investimento. “As empresas ganham tempo, com ônibus precários, sem planejamento, falta de tecnologia, falta de conforto, tarifa alta, não existe preocupação especialmente com as pessoas do interior”, lamenta. O serviço, de acordo com Jerbson, que não respeita a dignidade do ilheense. “Está obvio que está confortável para empresa, mas não está para a população”, completou.

Pandemia

Três deputados estaduais da Bahia, com votos em Ilhéus, participaram da Audência Pública: Pedro Tavares (DEM), Rosemberg Pinto (PT) e Eduardo Sales (PP). Este último apresentou um dado comparativo importante: em Salvador, a média de habitantes por veículo é de 1.300 pessoas. Em Ilhéus chega-se a 1.800 usuários. Os parlamentares consideram a falta de eficiência e qualidade do transporte público um problema nacional, mas que tem que ser resolvido pontualmente pelas cidades.

A Prefeitura assegura que tem tomado todas as providências para o cumprimento do contrato e, especialmente, do decreto que determina o retorno de toda a frota. Após decreto, foram feitas fiscalizações semanais e três notificações extrajudiciais aplicadas. “A situação não é boa e qualquer pessoa vê isso. É uma situação complexa que exige calma na negociação”, explica o secretário municipal de Mobilidade Urbana, Gabriel Bittencourt. Já o Procurador Geral, Jéfferson Domingues questiona se a descontinuidade do serviço para se proceder uma nova licitação de concessão é, neste momento, mais vantajosa para a cidade ou se é mais responsável a notificação com adoção de medidas disciplinares até que se tenha tempo de fazer uma nova licitação.

Especialista em mobilidade urbana, a professora da Universidade Federal do Sul da Bahia, Peola Paula Stein, disse não acreditar na imagem que as empresas querem passar de estarem realizando um “esforço hercúleo” para atender a cidade. “Não há esforço, porque não há ônibus”, critica. “É preciso montar um sistema operacional, requerer os relatórios de qualidade do transporte público, já que a gente se pode cobrar se tiver essa informação”, explica. De acordo com a especialista, o que está em debate não é o percentual de frota nas ruas. Mas, sim, quantos veículos estão em operação onde há demanda para ele. Segundo a professora, apesar das crises econômica e sanitária, é essencial que se qualifique a prestação do transporte, com o sistema funcionando, atendendo a todos e trazendo retorno financeiro às empresas.

Melhoria do Serviço

“O que estamos buscando aqui não é cancelar o contrato. É buscar o cumprimento dele”, assegurou a vereadora Enilda Mendonça (PT). “As empresas estão funcionando apenas com a intenção de minimizar seus custos”, concorda o presidente da Associação de Turismo de Ilhéus (ATIL), Átila Eiras. O vereador Aldemir Almeida (PP) destaca que o transporte clandestino só existe pela inoperância das empresas do transporte público. “O serviço do sistema público não ficou ruim agora não. Sempre foi péssimo”, sentencia. “Não pode mesmo continuar desta forma”, reforça o vereador Luciano Luna (PV). O vereador Gurita (PSD) destaca que é preciso um novo marco legal para o transporte público. “A cidade de Ilhéus cresceu e se desenvolveu. O sistema de transporte público é o mesmo de 30 anos atrás, do mesmo tempo do contrato em vigor”, lembra.

O parlamentar Vinícius Alcântara (PV) defende a criação de um Portal de Transparência do transporte público para a população conhecer os números que movimentam o setor e Cláudio Magalhães (PCdoB) denuncia a existência de uma “caixa-preta” do sistema onde não se sabe quanto arrecada. “O Sistema Inteligente só é inteligente para a empresa”, ironizou. Para os vereadores de Ilhéus, a intenção da Audiência Pública não foi apontar o dedo e massacrar as empresas. Mas, hoje, o usuário paga um preço alto para sofrer.

De acordo com informações da TV Câmara, responsável pela transmissão da Audiência Pública, essa foi a atividade da Câmara, este ano, com o maior número de participantes pelas redes sociais, interagindo com os convidados. O número ultrapassou a mil visualizações, com 149 compartilhamentos e quase 400 comentários de populares.