A desigualdade social, e a convivência entre a extrema pobreza e o conforto de milionários, faz o jornal francês “Le Monde” recordar “Os Miseráveis”, clássico da literatura francesa. Segundo uma longa reportagem publicada nesta semana, a desigualdade no Brasil de hoje lembra Europa do século 19. O texto também teve trechos traduzidos e publicados em português pela Radio França Internacional.

Na avaliação do jornal, apesar dos esforços feitos nos últimos anos para combater a pobreza, diante da recessão, a luta contra a pobreza deixou de ser a prioridade do governo e a desigualdade social continua flagrante.

A reportagem trata do caso de uma moradora da favela Paraisópolis, em São Paulo. “O cheiro de urina se mistura ao odor de fritura das cozinhas nas vizinhança, em meio ao barulho ininterrupto que gera a promiscuidade”, descreve, lembrando que esse cenário pode ser visto a poucos metros dos apartamentos “valendo milhões de reais, com piscina, varanda e sauna”, do Morumbi.

A favela é descrita como exemplo “do contraste chocante e das desigualdades vertiginosas” existentes no país, confirmando as estatísticas que apontam que, no Brasil, a repartição das riquezas é equivalente à da França e do Reino Unido no século 19. “Como na época dos clássicos ‘Os Miseráveis’, de Victor Hugo, ou dos romances de Charles Dickens”.

O jornal explica que uma das razões dessa desigualdade é o sistema de impostos, que dá ao Brasil ares de paraíso fiscal. “A renda dos lucros das empresas, paga a pessoas físicas, não é tributável; os impostos sobre o patrimônio são quase inexistentes; os sobre as heranças são muito fracos e o imposto de renda, pouco progressivo, com um limite de pagamento de 27,5%, contra 40% na França”.

O cenário fica ainda pior com a crise, explica. Por conta da recessão, a presidente Dilma Rousseff deixou de lado a política social para buscar austeridade. “Essas medidas de austeridade podem se mostrar positivas se Brasília conseguir reformar um Estado pouco eficaz e que gasta demais, mas também pode ter um resultado negativo se os cortes no orçamento forem realizados de forma precipitada, afetando os programas sociais, a ponto de comprometer a ambição brasileira de fundar uma sociedade mais igualitária”, conclui.