O Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT/SP) abriu um inquérito para analisar a atividade feita pela cantora infantil Mc Melody, de 8 anos. Segundo o procurador do MPT Marco Antônio Ribeiro Tura, responsável pelo inquérito, instaurado no dia 17, o objetivo é verificar se existe a prática de trabalho infantil, o que é proibido no país.

“O que vamos analisar é se há trabalho, se há provas de fato de que essa menina trabalha. Se ficar comprovado que ela não canta de maneira habitual, não faz show, apresentações para o grande público, não vai caracterizar propriamente um trabalho”. O procurador explica que ao MPT cabe a verificação do ponto de vista trabalhista na análise das denúncias recebidas sobre a atuação da menina e que o inquérito foi enviado também ao Ministério Público do Estado de São Paulo para análise de existência de outras possíveis violações na esfera penal. O pai de Melody foi notificado e será ouvido pelo MPT.

“O trabalho é proibido para menores de 16 anos salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14. Só que várias atividades são terminantemente proibidas, inclusive acima de 16 e abaixo dos 18. São aquelas atividades que colocam em risco a integridade física, psíquica e moral das crianças e adolescentes”, ressalta o procurador, ao destacar o texto da Constituição Federal.

O Brasil é também signatário de convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT): a 138, que trata da idade mínima para trabalhar, e a 182. “A 182 estipula quais são as piores formas de trabalho infantil, que é toda forma de escravidão, tráfico de drogas, atividades ilícitas, e também determina a lista das atividades perigosas”, explica a coordenadora do programa de Combate ao Trabalho iInfantil da OIT no Brasil, Maria Cláudia Falcão.

A psicóloga Laís Fontenelle, do Instituto Alana, ressalta que o trabalho precoce pode ser prejudicial e levar a criança a pular etapas. “É um tempo [a infância] em que a criança está se desenvolvendo, ela precisa de um olhar mais atento, de se escolarizar, de se apropriar dos valores”.

“A pobreza leva ao trabalho infantil. Ela [a criança] passa a ter uma educação que não é a melhor, não estuda o suficiente ou para de estudar porque está trabalhando. Ela acaba tendo uma defasagem escolar e aí, para entrar no mercado de trabalho, vem com déficit e o mundo está cada dia mais competitivo, então vai ser muito difícil garantir um trabalho decente e sair do círculo da pobreza”, diz Maria Cláudia, acrescentando que grande parte das crianças que trabalham no Brasil está nas áreas urbanas.

A psicóloga do Instituto Alana chama atenção para o fato de que, quando a atividade desenvolvida pela criança é ligada à área artística, esse trabalho é glamourizado pela sociedade, por isso há quem acredite que não seja prejudicial. “Acham que é tão legal, que a criança curte tanto ver a sua foto estampada. E será que ela curte? E todas as horas que ela passou ali para ser maquiada, que teve que ir para outro lugar, que muitas vezes pegou várias conduções, não se alimentou direito, tem uma pressão”.

MP analisa se atividade de MC Melody é trabalho infantil 2

Ministério Público analisa a situação da funkeira mirim

O procurador do Trabalho explica que, com base na Convenção 138 da OIT e na legislação interna, alguns requisitos precisam ser atendidos ao tratar do trabalho artístico. “O primeiro deles é a excepcionalidade desse trabalho. Não é possível que ele seja tido como algo costumeiro, cotidiano”. O procurador ressalta outras exigências como alvará expedido por um juiz federal do Trabalho, observância de princípios de proteção da criança, quesitos relacionados à educação e a jornada de trabalho.

Ao se tornar signatário das convenções, o Brasil passou a reconhecer a existência do problema, o que, para Maria Cláudia Falcão, foi um passo importante. Desde a década de 90, segundo ela, além de ter uma legislação avançada, o país vem trabalhando em ações para a erradicação do trabalho infantil como a criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, a coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). “O Brasil é reconhecido internacionalmente por todo o trabalho que vem sendo feito. Tanto que ao longo de 20 anos houve uma redução de quase 60% no número de crianças em situação de trabalho infantil entre 5 e 17 anos. Mas ainda temos 3 milhões”.

Para a representante da OIT, o Brasil teve grande avanço na faixa etária dos 5 aos 13 anos. “[Agora] acho que o grande desafio do Brasil hoje é a política para essa faixa etária de 14 a 17 anos que seria estimular a aprendizagem. Hoje, a aprendizagem no Brasil, apesar de ter um potencial muito grande, é muito baixa, as empresas não cumprem com a sua cota”. Maria Cláudia Falcão acredita que é preciso também garantir os direitos daqueles que podem trabalhar.

“O ideal seria que eles permanecessem na escola até que os 17 anos, entrassem na universidade, mas a gente sabe que essa é uma realidade que ainda não é possível para o Brasil. Então, para essa faixa etária, para aqueles que realmente precisam, a ideia é tornar [a atividade] formal e garantir um trabalho decente para esses adolescentes dessa faixa etária em que é possível, de acordo com a legislação brasileira, trabalhar,” diz.