O professor de Direito Eleitoral e analista do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA, Jaime Barreiros Neto, ressaltou, em entrevista à Tribuna, não há necessidade do voto impresso, porque não há possibilidade de urnas eletrônicas serem violadas. O especialista frisou ainda que, durante todo o processo eleitoral, testemunhas acompanham todas as etapas, desde a preparação das urnas até a apuração dos resultados.

“É legítimo que as pessoas queiram buscar uma legitimidade cada vez maior do processo eleitoral, que as pessoas duvidem do seu funcionamento por falta de conhecimento, principalmente. Então, a discussão por si só é uma discussão legítima, eu diria. Mas não é necessário realmente que a gente tenha o voto impresso. O sistema atualmente é confiável. Existem várias etapas que demonstram essa confiabilidade”, declarou.

Ainda na entrevista, Jaime Barreiros criou o bilionário fundo eleitoral, e defendeu o financiamento privado de campanha. “Em relação ao Fundo Eleitoral, eu particularmente não sou a favor desse aumento e sou a favor, na verdade, do retorno ao financiamento empresarial de campanhas, que foi colocado como um grande vilão no processo de corrupção no Brasil. Mas essa é uma falsa premissa. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Suprema Corte americana decidiu há alguns anos que as empresas têm legitimidade sim para fazer doações. O problema não é a doação empresarial, mas sim é o caixa 2, a corrupção que existe independentemente da forma de financiamento eleitoral existente”, pontuou.

Tribuna – O que o senhor pensa sobre a discussão do voto impresso? Essa medida é necessária para aumentar a confiabilidade da eleição?  

Jaime Barreiros Neto – É legítimo que as pessoas queiram buscar uma legitimidade cada vez maior do processo eleitoral, que as pessoas duvidem do seu funcionamento por falta de conhecimento, principalmente. Então, a discussão por si só é uma discussão legítima, eu diria. Mas não é necessário realmente que a gente tenha o voto impresso. O sistema atualmente é confiável. Existem várias etapas que demonstram essa confiabilidade. São muitas pessoas envolvidas, muitas instituições envolvidas na proteção das várias etapas do processo de votação e apuração das eleições. Todo esse processo é público. Então, por todas essas camadas de proteção que existem no sistema – não apenas a urna –, eu diria que não há necessidade do voto impresso, mas a discussão é legítima.

Tribuna – Como é feita a auditoria do voto no Tribunal Superior Eleitoral? Deixa margem para dúvidas?

Jaime Barreiros Neto – Todo o processo de votação, preparação das urnas, votação, apuração dos resultados, é realizado com a presença de testemunhas, partidos políticos, Ministério Público, Polícia Federal, representantes do Senado, da sociedade civil desde a preparação das urnas até o momento de apuração dos resultados. É importante destacar que impossível hackers, por exemplo, invadirem a urna eletrônica, porque a urna eletrônica é ligada apenas na tomada. Todo o processo de votação e de apuração do resultado é feito sem o uso de rede. Na verdade, quem apura o resultado é o próprio mesário assim que a que a votação acaba, quando expede um documento da própria urna chamado “boletim de urna”. Esse documento é um documento público, uma cópia é colocada na porta do local de votação, outra na sede da zona eleitoral. Cópias são distribuídas para o Ministério público, os partidos políticos, candidatos interessados. Então, todo o processo é muito transparente e isso que gera a confiabilidade. Então, não há margem na verdade, para quem conhece o sistema, para se duvidar de que ele é seguro.

Tribuna – O voto impresso dá margem para fraude?

Jaime Barreiros Neto – O problema do voto impresso é o seguinte: o voto continuará sendo secreto. Então, se o voto continua a ser secreto, a gente tem que pensar o seguinte: existe sempre a possibilidade de algum tipo de tentativa de burla do processo de votação, a partir de uma situação como a que eu vou exemplificar agora. Imagine que nós tenhamos uma eleição municipal, voto a voto, com candidatos a prefeito disputando. Um deles sabendo que vai perder uma determinada seção eleitoral por pesquisa, ele sabe que ali o adversário vai ganhar, ele combina com 10, 15 eleitores para que esses eleitores criem uma confusão. Digam que o voto que foi impresso não foi o que eles deram. Ninguém vai saber se eles estão falando a verdade ou não, porque o voto continuará sendo secreto. E assim feita a confusão. Criado o problema só tem dois caminhos. O juiz eleitoral vai ser chamado. Ou ele mantém o resultado e aí será alvo de críticas, de dúvidas sobre a lisura do processo. Ou, então, ele vai anular os votos da urna eletrônica, todos os votos daquela seção eleitoral, e vai prejudicar o candidato que não participou da fraude. Aquele que foi o mentor de tudo vai ser beneficiado. Então, isso abre margem para portanto manipulação das eleições através desse tipo de artimanhas, esse tipo de jogada. Não há necessidade de se criar o voto impresso, porque todo o processo já é seguro. Esse elemento que aparentemente é inofensivo pode dar margem para estratégias que podem a vulnerabilizar o processo eleitoral.

Tribuna – Por que então o presidente e parte da classe política insistem no voto impresso? 

Jaime Barreiros Neto – Essa questão de Bolsonaro porque ele insiste nisso, aí teria que perguntar a ele. O porquê ele insiste nisso exatamente, eu não posso dizer, que eu não estou na cabeça dele. Mas evidentemente que existe um interesse político nessa questão, de criar muitas vezes um fato político, criar uma polêmica. Essa questão faz parte da política. De alguma forma, se a gente for observar o precedente do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de tentar criar vulnerabilidade no processo democrático para justificar uma eventual derrota, a gente pode imaginar que talvez essa seja a intenção dele (Bolsonaro). Ou buscar mobilizar os seus apoiadores contra uma eventual derrota que ele venha a obter no ano que vem. Não podemos afirmar. Agora, sem dúvida, o que a gente pode dizer é que há uma questão política envolvida, o interesse de criar um fato político. A Justiça Eleitoral não pode na verdade se debruçar sobre essa questão. O que a Justiça Eleitoral tem que fazer, de forma isenta, como ela sempre fez, é demonstrar a confiabilidade do processo. Essa confiabilidade é demonstrada de diversas formas há muito tempo, há mais de 25 anos desde que a urna foi criada. Não se pode ingressar em uma discussão político partidária com o candidato qualquer que seja.

Tribuna – O senhor acredita que essa pressão e até ameaças sobre essa questão do voto impresso têm fragilizado ou descredibilizado as instituições e a Justiça Eleitoral?

Jaime Barreiros Neto – Qualquer pressão sobre o sistema democrático, qualquer dúvida que paire sobre a sua legitimidade é ruim para a democracia. Então, nós temos que confiar nas instituições, temos que confiar na Justiça Eleitoral, temos que nos informar. Vivemos, infelizmente, a era da desinformação, as fake news vem reinando no processo do debate público. Isso é muito ruim e temos que buscar a informação. Não se pode acreditar em qualquer coisa que se fala, é preciso buscar conhecer o sistema político. Confiar, portanto, na Justiça Eleitoral brasileira é muito importante para que a democracia seja salvaguardada no nosso país.

Tribuna – Acredita que o Supremo Tribunal Federal pode derrubar a decisão da Câmara caso o voto impresso seja aprovado?

Jaime Barreiros Neto – Sempre é possível Supremo Tribunal Federal ser provocado e considerar inconstitucional o voto impresso. Teria que saber qual o argumento para dizer. Por si só, eu particularmente não vejo uma inconstitucionalidade no voto impresso, embora não ache que seja conveniente, que ele seja aprovado. Mas eventualmente uma ação direta de constitucionalidade pode ser que surja um argumento jurídico plausível, e o Supremo Tribunal Federal venha a decidir sobre isso. A gente tem que lembrar que o Poder Judiciário só age quando é provocado. E aquele que provoca tem que trazer os argumentos para que o Supremo Tribunal Federal análise a partir de provas, a partir de fundamentos jurídicos que se há ou não de fato uma incondicionalidade que possa vir a ser declarada. Então, há sempre essa possibilidade de o STF derrubar o voto impresso como já fez outra vez, inclusive. Mas a princípio o Poder Legislativo é soberano constitucionalmente para decidir a questão.

Tribuna – Como o senhor viu o aumento para R$ 5,7 bilhões do Fundo Eleitoral? 

Jaime Barreiros Neto – Em relação ao Fundo Eleitoral, eu particularmente não sou a favor desse aumento e sou a favor, na verdade, do retorno ao financiamento empresarial de campanhas, que foi colocado como um grande vilão no processo de corrupção no Brasil. Mas essa é uma falsa premissa. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Suprema Corte americana decidiu há alguns anos que as empresas têm legitimidade sim para fazer doações. O problema não é a doação empresarial, mas sim é o caixa 2, a corrupção que existe independentemente da forma de financiamento eleitoral existente. É aquela história, não existe vácuo de poder. A partir do momento em que tiraram o dinheiro das empresas, os partidos políticos que precisam financiar suas campanhas buscaram alternativa. E essa alternativa passou a ser o dinheiro público. Então, eu acho que o dinheiro público tem outras serventias melhores do que essa, embora a gente tenha que admitir sempre que a democracia também precisa de investimento. A gente não pode querer fazer eleição por exemplo, não manter o funcionamento dos partidos políticos da Justiça Eleitoral, mas 5,7 bilhões de reais de fato é um grande exagero. É desnecessário, criaram um problema que não existia e agora a solução desse problema se tornou pior do que o cenário anterior.

Tribuna – O presidente Bolsonaro pode incorrer em crime de responsabilidade se sancionasse, como ele mesmo disse?

Jaime Barreiros Neto – Em relação ao crime de responsabilidade, a gente tem que lembrar que foi aprovado no governo Michel Temer uma emenda constitucional estabelecendo um teto de gastos do Estado brasileiro no orçamento público. Então, eventual crime de responsabilidade, não seria exatamente decorrente do fundo, mas da possibilidade de estorno desse teto orçamentário. Então, dentro dessa perspectiva se ficar caracterizado que o governo venha a gastar mais do que pode, eventualmente poderá haver sim uma responsabilização por crime de responsabilidade sujeitando-se ao impeachment. Não em virtude exatamente no Fundo Eleitoral, mas do excesso de gastos daquilo que o Estado arrecada e que tem capacidade de gastar.

Tribuna – Qual a expectativa para a eleição estadual? Na sua avalição, o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, chega forte para disputar uma eleição acirrada contra o senador Jaques Wagner? 

Jaime Barreiros Neto – A eleição estadual promete bastante. Claro que o ex-prefeito Antonio Carlos Magalhães Neto é um dos candidatos favoritos. Talvez, o favorito. Mas a gente não pode descartar, por exemplo, que o PT está há 16 anos no poder aqui no estado. O governador Rui Costa tem uma boa aprovação tanto é que foi eleito no primeiro turno nas duas últimas vezes que disputou assim como o ex-governador Jaques Wagner. O ex-governador Jaques Wagner o provável candidato é também um candidato muito forte. Então, ainda é cedo para a gente dizer quem será o favorito, quem irá ganhar essa eleição, mas com certeza não será uma disputa fácil nem para ACM Neto nem para Jaques Wagner. Ou mesmo para um terceiro candidato, quem sabe Otto Alencar ou outro candidato que poderá inclusive ser o fiel da balança nessa disputa.

Tribuna – Teremos uma disputa tensa, diante da provável polarização Lula-Bolsonaro?

Jaime Barreiros Neto – A polarização Lula-Bolsonaro já vem se constituindo há algum tempo. O fato de o ex-presidente Lula ter recuperado a possibilidade de ser candidato terminou por ser um ingrediente que a aumenta essa polarização política, mas a gente tem que lembrar que ainda falta mais de um ano para as eleições. Existem terceiras vias que podem ser viabilizadas. Então, o cenário político não se resume a Lula e a Bolsonaro, muita coisa ainda virá pela frente. O fim da pandemia, que a gente espera que ocorra o mais breve possível, poderá alterar completamente esse cenário de forças políticas. Então, temos que aguardar, qualquer prognóstico agora é muito precipitado.