Miúdo e de voz mansa, o secretário-geral da Câmara, Mozart Vianna, 63 anos, foi responsável por orientar algumas das decisões mais importantes da Casa nas últimas quatro décadas, como a recomendação para abrir o voto dos deputados federais na sessão histórica que determinou a instauração do processo de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992.

O profundo conhecimento do regimento interno da Câmara transformou esse ex-seminarista franciscano em uma espécie de “oráculo” para assuntos legislativos. Homem de confiança e principal conselheiro de 12 presidentes da Casa, ele se despedirá em 1º de fevereiro do cargo de secretário-geral da Mesa Diretora. Segundo ele, com a aposentadoria, irá se dedicar mais à família.

Mozart Vianna, ou doutor Mozart, como é conhecido no Congresso Nacional, nasceu em Corinto, no interior de Minas Gerais. Chegou à Câmara dos Deputados como datilógrafo, em 1975, e foi avançando na carreira, passando sempre por outros concursos públicos.

Há quase 40 anos no Legislativo, ele chegou a ensaiar uma aposentadoria do cargo em 2011, quando chefiou o gabinete do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e, posteriormente, trabalhou no setor privado. Mas, convidado a retornar ao parlamento em 2013 pelo atual presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Mozart não hesitou e voltou aos carpetes verdes da Casa.

Antes de se sentar ao lado do peemedebista na mesa de comando do plenário da Câmara, auxiliou diretamente os ex-presidentes Ibsen Pinheiro, Inocêncio Oliveira, Luís Eduardo Magalhães, Michel Temer, Aécio Neves, Efraim de Morais, João Paulo Cunha, Severino Cavalvanti, Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia.

“É o conselheiro máximo, prioritário, número um, em qualquer assunto no tocante à condução das matérias legislativas. Eu tenho segurança que ele sempre dará a opinião que ele entende, pela segurança e o conhecimento, a mais acertada. Quer eu goste ou não goste”, ressaltou o deputado Henrique Alves.

Por conta das suas orientações decisivas no plenário da Casa, Mozart recebeu do ex-deputado Ulysses Guimarães o apelido de “Espírito Santo do ouvido”. Aliás, foi na época da Assembleia Constituinte, comandada por Ulysses, que Mozart diz ter vivido uma das maiores experiências da sua vida. Na ocasião, ele coordenou a comissão que deu a redação final à Constituição. Foram dias intensos de trabalho e algumas noites sem dormir.

“O doutor Ulysses tinha pressa. A ideia inicial era elaborar a Constituição em um ano, então, ele não queria perder prazo. Uma vez, depois de trabalhar sábado e domingo, eu fui dormir quarta à noite. Passei segunda, terça e quarta trabalhando”, relata Mozart.

Mas o esforço, segundo ele, valeu a pena. “Eu vivenciei muito aquele momento de sofrimento, do país submetido a um regime de força, então aquela abertura democrática, recuperação da liberdade democrática e a gente atuando, participando, é motivo de muito orgulho até hoje”, destacou o secretário-geral.

Impeachment
O trabalho de Mozart Vianna durante a elaboração da Constituição de 1988 chamou a atenção dos parlamentares. Em 1991, ele foi convidado pelo então presidente da Câmara, deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), para ocupar o posto de secretário-geral da Casa. Desde então, participou de vários fatos decisivos da política nacional, não apenas como testemunha ocular, mas como ator decisivo dos acontecimentos.

Em 1992, foi de Mozart a orientação para que a sessão que analisou a instauração de processo de impeachmente contra Collor tivesse voto aberto. Ibsen Pinheiro acatou a sugestão de seu braço-direito.

“O presidente Ibsen [Pinheiro] pediu um estudo. Eu reuni consultores legislativos, assessores jurídicos e fizemos uma análise. A conclusão foi que o voto seria aberto”, relembra Mozart. A orientação foi passada a Ibsen em uma reunião com a presença do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim, que, na época, era deputado federal.

“Foi feita a exposição de por que se achava que deveria ser voto aberto. Encerrada a exposição, eu não esqueço nunca, o presidente Ibsen se deteve alguns minutos, com a mão assim [no queixo], pensando. Depois de alguns minutos, não esqueço nunca da frase que ele falou: ‘É isso, o voto será aberto, me joguei no rio, agora só me resta sair do outro lado, na margem'”, contou Mozart.

Em 29  de setembro de 1992, em votação aberta, a Câmara decidiu, por 441 votos a favor e 33 contra, abrir o processo de cassação de Collor. “Eu entendo que aquela decisão [de fazer votação aberta] foi fundamental, influiu no resultado”, avalia o secretário-geral.

Ritmo intenso
A atividade como secretário-geral exige bom preparo físico, pois não raramente as sessões se estendem por longas horas. No ano passado, por exemplo, a votação da MP dos Portos, que regulou a atividade portuária no país, varou duas madrugadas seguidas, somando quase 40 horas de sessão. Ao contrário dos parlamentares, que saíam do plenário a todo momento, Mozart não podia deixar seu posto, à esquerda do presidente da Casa, na Mesa Diretora.

Mas ele não se queixa. Pelo contrário. Lembra em tom de brincadeira quando ganhou o direito de ter uma cadeira ao lado do presidente durante as sessões. Foi na presidência de Severino Cavalcanti. Até então, passava horas a fio em pé.

“A mulher do Severino perguntou quem era aquele deputado que ficava ali o tempo todo em pé. Quando ele respondeu que não era deputado, mas um funcionário que o ajudava, ela, imediatamente, mudou o discurso e perguntou: ‘como você deixa ele em pé?’”, relembra Mozart.

Atrito com deputada
O rigor no cumprimento no regimento já gerou atritos com parlamentares. Em 8 de maio deste ano, Mozart recomendou a Inocêncio Oliveira (PR-PE), que presidia os trabalhos em plenário naquele dia, que interrompesse uma sessão solene em homenagem a Carlos Prestes para iniciar, às 14h, a ordem do dia, destinada à votação de projetos e medidas provisórias em pauta.

Se a sessão não começasse no horário, a abertura da CPI mista da Petrobras seria adiada em uma semana, já que o prazo para a instalação era de cinco sessões ordinárias da Casa. A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) criticou a interrupção da homenagem aos 90 da Coluna Prestes e acusou, no microfone, Mozart de fazer “pressão” para iniciar a sessão de votação.

A acusação irritou o secretário-geral que, sem poder se defender na tribuna (apenas deputados podem usar o microfone), tentou se aproximar da deputada para argumentar que estava cumprindo as regras da Câmara. Naquele momento, ele foi contido por outros funcionários que temiam um agravamento da discussão. A deputada sentiu-se ofendida com a movimentação de Mozart e pediu providências ao presidente da Câmara.

Querido pela maioria dos parlamentares e funcionários, o secretário-geral começou a receber várias manifestações públicas de apoio. Os deputados se revezavam no microfone para exaltar as qualidades de Mozart, entre elas a dedicação e a honestidade. Henrique Alves pediu “desculpas” a Alice Portugal em nome da Casa e o episódio se encerrou sem maiores desdobramentos.

Acessível
Uma das características de Mozart que o tornaram popular entre parlamentares e servidores é o fato de ser acessível a todos. Em seu amplo gabinete no prédio principal da Câmara dos Deputados, entra qualquer um, a qualquer hora.

Repórteres que cobrem o dia a dia da Casa têm entrada franca na sala, mesmo quando Mozart está reunido com servidores tratando das atribuições da Secretaria-Geral. Nessas situações, para espanto dos jornalistas, o secretário interrompia a reunião para dar atenção à demanda dos

Mesmo fora do longo expediente diário, durante o dia e durante a noite, Mozart procura atender todos os telefonemas. Nas raras ocasiões em que não consegue atender imediatamente o interlocutor, retorna os telefonemas com pedidos apressados de desculpa. Após dedicar a vida ao parlamento, agora, Mozart quer passar mais tempo com a esposa, Áurea, e os quatro filhos.

“Aqui [na Câmara], eu vivi muitos anos de bons momentos, de aprendizado, de orgulho e, sobretudo, vivi um tempo de democracia”, observa. “É um sentimento de orgulho, de poder fazer algo para as pessoas”, concluiu o oráculo do Legislativo.