O déficit de vagas já é imenso. Do total de 607.373 presos no Brasil, o que coloca o País na quarta colocação entre as nações com maior número absoluto de encarcerados no mundo – atrás apenas de EUA, Rússia e Indonésia –, o sistema penitenciário brasileiro apresenta um déficit de 203.531 vagas.

Uma situação que tende a piorar, uma vez que a quantidade de presos em território nacional cresce em progressão geométrica: se seguir no ritmo em que está, a população carcerária deve crescer mais de três vezes nos próximos 15 anos e chegar à marca de quase dois milhões de encarcerados em 2013. Os dados são da 9ª edição do Anuário da Segurança Pública, desenvolvido pela ONG Fórum de Segurança Pública.

Conforme mostra o documento, são atualmente 1.424 unidades prisionais no Brasil, sendo que em todos os Estados da federação há registros de cadeias com superlotação. Segundo o documento, somente uma unidade federativa, Maranhão, divulgou ter vagas sobrando no sistema prisional, um total de 519. No entanto, é na capital maranhense, São Luís, que se encontra o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, conhecido por casos de extrema violência, como a decapitação de detentos praticada por grupos rivais em celas superlotadas – os dados de presos foram repassados ao fórum pelas autoridades estaduais.

“Estamos chegando perto de termos dois presos por vaga no País. É um modelo completamente ultrapassado, com presídios gigantescos, sempre superlotados, que se tornaram verdadeiros viveiros de facções criminais”, analisa ao iG o sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor da PUC-RS e integrante da ONG.

Todos os outros Estados apresentam grande déficit no número de vagas. Em São Paulo, unidade federativa que concentra a maior população carcerária do País, o déficit passa dos 85 mil. Em Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro chega a 19.616, 18.913 e 11.091, respectivamente. Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e Tocantins tiveram aumento no déficit de vagas entre 2013 e 2014. O Fórum calcula que seria necessária a construção de 5.816 novos presídios nos próximos 15 anos para dar conta do problema.

“Um caminho para a redução dos presos passaria por acabar com a morosidade da Justiça, que, sem julgá-los, os mantêm encarcerados. Além disso, precisamos, diferente do que ocorre hoje em dia, garantir as vagas para aqueles que prendemos, além de dar educação, trabalho prisional, atendimento à sua saúde. Sem isso, as facções encontram um terreno fértil para cumprir o papel que caberia ao Estado, ausente. O que elas acabam fazendo também quando o sujeito sai da prisão, pois ele não tem apoio para seguir sua vida e acaba se agarrando a elas”, completa Azevedo.

Como friza o especialista e o próprio levantamento da ONG, não é só o crescimento dos últimos anos e a tendência de alta para os próximos que causa preocupação em relação ao sistema prisional brasileiro. Do total dos mais de 600 mil encarcerados, quase metade sequer passou por julgamento, deixando ainda mais superlotadas as celas de uma nação que ocupa a quinta colocação nesse quesito – apenas Irã, Filipinas, Paquistão e Peru tem proporcionalmente mais presos ocupando o mesmo espaço no mundo.

Como mostra o levantamento, 222.190 dos 579.423 presos no sistema em 2014 cumpriam pena provisória no ano passado no Brasil – aumento de cerca de seis mil em relação ao ano anterior. No total, encarcerados sem julgamento representam 38,3% dos presos em território brasileiro. Em Sergipe, por exemplo, são 2.876 presos provisórios de um total 4.057 encarcerados – 70,9% do total. No Piauí, a porcentagem é de 63,6%.
“É necessária uma mudança total na política penitenciária nacional, porque já está mais do que provado que encarceramento não resolve a questão da violência”, diz o psicólogo Cláudio Reis, vice-coordenador do Núcleo de Estudos de Violência e Relação de Gênero da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) de Assis. “Temos esses milhares de presos em péssima situação no sistema, enquanto um número enorme de outras pessoas espera por vagas. É uma bomba relógio prestes a explodir.”

Além das pessoas que estão atrás das grades sem serem julgadas, outro problema que colaborou para o aumento de presos no período foi a lei sancionada em 2003 pelo então presidente Luíz Inácio Lula da Silva, segundo a qual usuários de drogas não poderiam mais ir para a cadeia devido ao uso de entorpecentes. No entanto, ao mesmo tempo em que ela entrou em vigor, foram endurecidas as penas por tráfico – o que, sem diferenciação entre um e outro, colaborou para aumentar o número de encarcerados por esse crime no País.

Como mostra levantamento do Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), analisado pelo iG no ano passado, 67,7% dos presos por tráfico de maconha estão detidos por portar menos de 100 gramas da droga. Como debate o Supremo Tribunal Federal (STF) atualmente, seria necessário uma norma para delimitar quantidades que fossem capazes de diferenciar traficantes de usuários para mudar a situação.

Atualmente, enquanto apenas 9% dos presos cumprem pena por homicídio, 25% deles o fazem por tráfico de drogas. “Mesmo que muitos falem o contrário, a forma como lidamos atualmente com o problema da droga está superada”, diz Azevedo. “Sem uma mudança na legislação em relação ao tema, continuaremos vendo a prática recorrente no Brasil: classe média é sempre vista como usuária e a pobre, como traficante. É um espelho dos nossos presídios e da nossa sociedade.”