Entre 2003 e 2013, segundo o Ministério da Saúde, houve redução de 36% no número de crianças mortas no trânsito. No entanto, a coordenadora da ONG Criança Segura, Gabriela G. de Freitas, durante a 2ª Conferência Global de Alto Nível Sobre Segurança no Trânsito, afirma que ainda há desafios para maior redução do índice.
O Ministério da Saúde anunciou a redução no número de mortes de crianças no trânsito. A quais fatores você atribui esta redução?
É sim uma redução significativa. Isso se atribui, basicamente, à queda que a gente teve no número de crianças atropeladas. Por outro lado, vemos as mortes de crianças que estão dentro do carro aumentando um pouco. Então, a gente vai equilibrando os números. O número de crianças atropeladas tem reduzido muito em função das campanhas educativas pelo Brasil, os projetos que conscientizam a população sobre a prioridade para o pedestre nas vias. Isso já é um grande ganho para a criança, que muitas vezes não é vista no trânsito pelos motoristas, por causa da altura dela.
O governo brasileiro atribui esta redução, principalmente, à obrigatoriedade do uso da cadeirinha. Você concorda?
Nos últimos anos, o que mais dá para destacar nos avanços da legislação para crianças é a cadeirinha. É uma legislação que vem desde 2010 e obriga as crianças até sete anos e meio a andar na cadeirinha. Nós vimos que 30% das mortes de crianças no trânsito acontecem dentro de um carro. Então, a única forma de proteger é a cadeirinha. Certamente esse foi o maior avanço na legislação.
O que precisa avançar em termos de legislação?
Sobre a cadeirinha, é preciso aumentar a idade. Hoje eles são obrigados a andar na cadeirinha até sete anos e meio. A gente sabe que o tamanho padrão de uma criança de sete anos e meio no Brasil ainda não é adequado pra ela andar no banco. Portanto, é preciso aumentar essa idade. É preciso também ter essa cadeirinha obrigatória em táxis, no transporte escolar e em outros meios de transporte, como veículos alugados, que também não são obrigados a usar o equipamento.
Na Bahia, é comum ver crianças em motocicletas com os pais, sem equipamento de segurança, principalmente no interior. O que pode ser feito para dar mais segurança?
A motocicleta também tem preocupado muito, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste. Hoje, a idade mínima para uma criança andar de moto é de sete anos. Isso é muito pouco. É totalmente incoerente uma criança de dez anos ter que andar no banco de trás num carro, não poder ir na frente, mas pode andar numa moto. Já há um projeto de lei para mudar isso que estava engavetado há muito tempo, agora está tramitando de novo. A gente tem tentado 18 anos, mas alguns deputados que estão acompanhando a tramitação no Congresso estão sugerindo dez anos. A gente está lutando para que pelo menos seja algo maior do que sete anos.
As crianças enquanto pedestres estão mais vulneráveis do que os adultos?
Muitas vezes ela não é vista pelos motoristas. Ela não sabe julgar o trânsito e não está sendo vista. Sempre tivemos o atropelamento como uma das maiores causas de morte de crianças. A recomendação é que uma criança de até dez anos não ande na rua sozinha. Por mais inteligente que ela seja, não tem capacidade para julgar o trânsito, identificar estes riscos.
No mundo, há algum ou alguns países considerados referências em proteção à criança no trânsito?
Alguns países têm a cultura de prevenção muito mais forte do que a nossa. O Brasil historicamente não é um país preventivo. Os países que têm essa cultura de prevenção muito forte são aqueles que já passaram por guerras ou grandes catástrofes da natureza. Isso faz com que as pessoas tenham o olhar sobre a prevenção, porque elas foram devastadas, tiveram que erguer do zero suas nações. Então, a gente não tem nenhuma dessas situações, ainda bem. Por outro lado, ficamos atrás. Países que têm essa cultura de prevenção muito forte são Alemanha, os países do norte da Europa, como Suécia e Noruega, o próprio Japão, e os EUA, que são referências.
O que esses países fazem de diferente para serem considerados referências?

Basicamente, além das ações de conscientização, de cultura de prevenção, eles conseguiram o apoio do governo, que as autoridades fortalecessem as leis de segurança e investissem em projetos de prevenção. Isso é fundamental. A gente encoraja as pessoas a começarem a mudança nelas mesmas, mas não podemos fazer isso sozinhos, precisamos de apoio financeiro, de projetos que façam a mensuração de resultados. Enfim, estamos falando, por exemplo, de trocar toda a frota escolar para colocar a cadeirinha. Isso é um mega investimento financeiro do governo brasileiro. Existem fundos para isso. A gente precisa só priorizar a questão e direcionar recurso e esforço.
Quando entrou em vigor, em 2010, a lei da cadeirinha ajudou a reduzir as mortes de crianças. No ano seguinte, a mortalidade infantil no trânsito voltou a crescer. Por que isso?

Falta de conscientização e fiscalização. É muito comum pensar que é frescura, que não precisa da cadeirinha. A gente precisar estar sempre batendo nessa tecla. Não é porque ela é obrigatória que a gente vai ter a queda dos números. A gente precisa ter a fiscalização e as pessoas conscientizadas sobre a importância do uso e os riscos do não cumprimento da legislação.
Qual a proporção de mortes de crianças que ocupam carros?
Em 2013, 1.791 crianças de até 14 anos morreram vítimas do trânsito. Deste total, 30% eram pedestres, 30% ocupam veículos, 25% são causas não especificadas, 9% ocupantes de motos e 6% e bicicleta. Os números estão aí, já temos um diagnóstico. O que precisamos agora é de medidas efetivas, com legislação mais firme, fiscalização mais rigorosa e maior conscientização das pessoas. Além das mortes, 14.150 crianças foram hospitalizadas vítimas de acidentes de trânsito.
Mesmo com a redução anunciada pelo Ministério da Saúde, os números ainda preocupam?
O trânsito ainda é a principal causa de morte acidental de crianças de até 14 anos de idade no Brasil. É, sim, um grave problema de saúde pública. Nossa meta é reduzir a zero, a partir do momento em que possamos nos empenhar na elaboração e aplicação de medidas que garantam mais segurança.