Por Hieros Vasconcelos

A cacauicultura brasileira atravessa um momento delicado. Produtores de diferentes regiões, inclusive do Sul da Bahia, enfrentam queda nos preços, concorrência desleal e riscos à produtividade, enquanto buscam manter a competitividade no mercado nacional e internacional. Diante desses desafios, cresce atualmente a mobilização pela revogação da Instrução Normativa nº 125/2021, publicada durante a gestão da ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina, que autorizou a importação de amêndoas de cacau fermentadas e secas da Costa do Marfim, maior produtor mundial.

Para a Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC), presidida por Vanuza Barroso, a medida representa uma ameaça dupla: expõe a lavoura brasileira a riscos fitossanitários graves e cria pressão econômica sobre os produtores nacionais, prejudicando a rentabilidade das lavouras.

“Nós estamos tentando sensibilizar as nossas autoridades de que essa instrução normativa está irregular perante a Constituição Federal e as leis agrícolas nacionais e internacionais. Ela foi publicada sem a devida análise de risco de pragas, que é a ferramenta essencial para alterar qualquer norma de importação”, afirma.

A IN 125/2021 revogou a Instrução Normativa 18/2020, que exigia tratamento fitossanitário das amêndoas importadas com brometo de metila. A nova regra flexibilizou essas exigências, permitindo a entrada de cargas maiores e em ritmo indefinido da Costa do Marfim. Apenas em 2025, mais de 56 mil toneladas de cacau africano já desembarcaram no Brasil, com previsão de ultrapassar 60 mil até novembro.

Para Vanuza, os impactos vão além do preço: há riscos sérios à saúde das plantações brasileiras. “São duas doenças terríveis. A Striga atinge culturas como soja e milho, enquanto a Phytophthora megakarya é uma podridão negra que pode comprometer até 80% da produção. Mesmo assim, o Ministério da Agricultura desregulamentou essas pragas, ignorando alertas técnicos e a posição contrária da Ceplac, órgão técnico do cacau”, alerta.

A dirigente explica que a flexibilização da norma também favorece práticas de concorrência desleal. “O cacau da Costa do Marfim é mais barato porque lá o trabalho é feito em condições precárias: existe trabalho análogo à escravidão, tráfico de crianças, trabalho infantil — situações impensáveis no Brasil. Quando se permite importar um produto que ignora tudo isso, cria-se uma distorção que reduz os preços pagos aos nossos produtores”, acrescenta.

Outro ponto crítico é a retirada da atribuição da Ceplac de elaborar a previsão de safra. “Sem essa previsão, a indústria decide quanto quer importar e quando quer. Quanto maior a oferta, menor o preço — e quem perde é o produtor brasileiro”, reforça Vanuza. Para ela, o efeito é direto: queda de renda, desestímulo ao investimento e fragilização da cadeia produtiva, que envolve pequenos e médios produtores, cooperativas e indústrias regionais.

A ANPC, juntamente com outras entidades do setor, tem recorrido a diferentes frentes institucionais. Um processo baseado na Lei de Acesso à Informação revelou que a IN 125 foi editada sem análise formal de risco de pragas, fundamento central da campanha pela sua revogação. “Buscamos todos os documentos. Está claro que não houve esse estudo. É uma irregularidade técnica grave”, explica Vanuza.

Instrução Normativa ameaça sustentabilidade da cacauicultura brasileira, aponta entidade

O tema já chegou ao Congresso Nacional, com tramitação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL 330/2022), que pretende sustar os efeitos da IN 125/2021. Parlamentares de diferentes partidos têm cobrado do Ministério da Agricultura uma reavaliação da norma, incluindo o retorno das exigências fitossanitárias anteriores.

Vanuza Barroso ressalta que o movimento dos produtores não é contra a indústria, mas contra um modelo que ameaça a sustentabilidade da cacauicultura brasileira. “O que queremos é proteção e equilíbrio. O cacau é uma cultura histórica, social e ambientalmente importante para o Brasil. Não podemos colocar tudo isso em risco por uma decisão que fere normas técnicas e abre portas para pragas e para a desvalorização do nosso trabalho”, diz.

A apreensão é grande tendo em vista que pequenos e médios produtores temem que o avanço das importações reduza ainda mais o valor do cacau nacional e provoque novo ciclo de endividamento no campo. Especialistas lembram que já se enfrentou a vassoura-de-bruxa, colapso da lavoura nos anos 1990. O temor é que se o país não for rigoroso, pode-se enfrentar algo ainda mais grave. ” Não é apenas uma questão de mercado, é uma questão de soberania e segurança agrícola”, pontua Vanuza.

 

trb