Houve mudanças na lei penal em setembro último, e somente desde este mês pra cá é que não existe o prazo decadencial para diversos crimes imputados ao médium João de Deus. Antes da sansão desta lei, havia um prazo para as supostas vitimas fazerem as denúncias ou comunicações às autoridades. Quase na sua totalidade dos registros de acusação deram-se fora do prazo, que antes da lei 13.718 era de 180 dias. Ou seja, as denúncias estão acontecendo fora do tempo hábil. Alguns operadores do Direito começam a criticar as ações do MP e Polícia de Goiás, pela falta de habilidade no caso, pela precipitação do pedido da preventiva e, aceitação de denúncias já que na sua maioria expiraram, casos de 40, 30, 20 anos atrás. Alguns opinam e tecem criticas ao MP, que não pediu o bloqueio dos bens e dinheiro em contas bancárias à Justiça. No entanto acusa o réu de saques e movimentos. “Não existe nenhum pedido de impedimento ou bloqueio para movimentação financeira”, afirmou em entrevista o Advogado do médium, Alberto Toron, abismado com as declarações sem nenhum sentido do Delegado Chefe da Polícia goiana. Os advogados estão tentando um HC ou mesmo uma prisão domiciliar, em face à idade e a saúde do acusado.
A Lei n.º 13.718, de 24/09/2018, que entrou em vigência desde (25/09/2018), trouxe diversas novidades relacionadas aos crimes contra a dignidade sexual. Foi introduzido ao Código Penal o crime de importunação sexual, disposto no art. 215-A, nos seguintes termos: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave”.
Não obstante tenha sido revogada a contravenção penal prevista no art. 61 da LCP (“Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”), não se pode falar em abolitio criminis, já que a conduta continua punida no novo dispositivo legal, fenômeno conhecido como princípio da continuidade normativo-típica.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher (crime comum). O sujeito passivo tem que ser específico (“alguém”), ou seja, a vítima é pessoa determinada ou um grupo determinado de pessoas. A prática de ato libidinoso sem vítima específica e em lugar público ou aberto ou exposto ao público (ex.: automasturbação em praça pública) configura o delito de ato obsceno, previsto no art. 233 do Código Penal.
Ato libidinoso é elemento normativo do tipo, exigindo um juízo axiológico para a sua compreensão. Em termos subjetivos, é libidinoso o ato que visa à satisfação da lascívia; em termos objetivos, é o ato que atenta contra o sentimento médio de moralidade sexual.
Além do dolo (vontade livre e consciente dirigida ao resultado), o tipo também exige um elemento subjetivo especial, ou dolo específico, consistente no “objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
A consumação ocorre no momento da prática do ato libidinoso. Como se trata de crime plurissubsistente (aquele que admite o fracionamento dos atos executórios), é possível, em tese, a tentativa.
A pena mínima é de um ano, razão pela qual se torna possível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n.º 9.099/95), desde que previstos os demais requisitos legais.
Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia
Também foi introduzido ao Código Penal o delito de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, disposto no art. 218-C, nos seguintes termos: “Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”.
A violação da intimidade, sobretudo no ambiente virtual, apresenta-se, hoje, das mais variadas formas. Mas nenhuma parece ser tão devastadora para as vítimas, em sua grande maioria mulheres, quanto a exposição sexual não autorizada, conhecida na língua inglesa por revenge porn. Ativada pela turbulência tecnológica e cultural que colocou uma câmera em cada bolso e criou uma audiência global para cada publicação de mídia social, a “pornografia não consensual”, ou “pornografia da vingança”, ou “pornografia de revanche”, torna-se, nos dias atuais, cada vez mais comum. Trata-se de fenômeno em que fotografias e/ou vídeos íntimos de alguém, tiradas/gravados de maneira consensual, são posteriormente expostos na internet, quando do fim do relacionamento, geralmente pela parte inconformada, como forma de vingar-se do(a) antigo(a) parceiro(a).
Há, por outro lado, casos de estupros (e estupros de vulneráveis) que são registrados pelos próprios autores e depois divulgados em grupos de WhatsApp ou mesmo em redes sociais como Facebook e Instagram. Estima-se que a internet tenha, hoje, mais de 4 bilhões de usuários. Em pesquisa recente, o IBGE apontou que o Brasil fechou o ano de 2016 com 116 milhões de pessoas conectadas à internet – o equivalente a 64,7% da população com idade acima de 10 anos. Isso significa que nenhuma outra forma de publicação trará maior alcance do que a informação lançada na rede mundial de computadores.
O dano causado às vítimas se dará na mesma proporção. Como o conteúdo ofensivo provavelmente nunca mais deixará de existir, a ofensa à intimidade sexual da pessoa ofendida será perpétua. Como consequência o prejudicado desenvolve depressão, fobia, sentimento de culpa e perseguição, abalo emocional e isolamento. Os prejuízos são incontáveis, já que a exposição sexual não consentida afeta a vida da vítima em todos os seus aspectos: financeiro, laboral, acadêmico e social. Não raras vezes os ofendidos abandonam seus empregos e são obrigados a mudar de cidade. Há casos de vítimas que atentam contra suas próprias vidas.
O crime do art. 218-C do Código Penal pode ser praticado por qualquer pessoa, homem ou mulher (delito comum). A vítima também pode ser qualquer pessoa; no entanto, se ela mantém ou manteve relação íntima de afeto com o autor, a pena é aumentada de um a dois terços (§ 1º). Caso o ofendido seja criança ou adolescente, a conduta do autor poderá configurar infração penal prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (como aquela do art. 241-A: “Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”).
Trata-se de tipo misto alternativo: ainda que o agente, no mesmo contexto fático, pratique dois ou mais verbos nucleares, haverá um único crime. O delito é doloso, não havendo previsão de elemento subjetivo especial e nem de forma culposa.
A consumação ocorre com a prática de um dos comportamentos previstos no tipo. Alguns verbos, como aexposição à venda e a disponibilização, indicam permanência (o crime se prolonga no tempo). A tentativa é possível nas formas plurissubsistentes.
A pena mínima é de um ano, razão pela qual se torna possível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n.º 9.099/95), desde que previstos os demais requisitos legais. Se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação, a pena é aumentada de um terço a dois terços.
Há uma hipótese excludente da ilicitude (§ 2º): “Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas nocaput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos”.
Ação penal
De acordo com a anterior disposição do art. 225 do Código Penal (redação dada pela Lei n.º 12.015/09), os crimes sexuais dispostos nos Capítulos I e II eram processados por ação penal pública condicionada à representação do ofendido, com exceção da vítima vulnerável ou menor de 18 anos, casos em que a ação seria pública incondicionada.
Com a alteração promovida pela Lei n.º 13.718/18, a ação penal passa a ser sempre pública incondicionada, o que torna superado o debate a respeito da aplicação, ou não, da Súmula 608 do STF (“No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”).
No entanto, por se tratar de disposição prejudicial ao réu, a nova regra não poderá retroagir.
| Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos |
LEI Nº 13.718, DE 24 DE SETEMBRO DE 2018.
| Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais). |
O PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei tipifica os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, torna pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelece causas de aumento de pena para esses crimes e define como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo.
Art. 2º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Importunação sexual
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.”
“Art. 217-A. …………………………………………………….
……………………………………………………………………………..
- 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.” (NR)
“Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Aumento de pena
- 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.
Exclusão de ilicitude
- 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos.”
“Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada.
Parágrafo único. (Revogado).” (NR)
“Art. 226. ……………………………………………………..
……………………………………………………………………………
II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela;
……………………………………………………………………………
IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado:
Estupro coletivo
- a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes;
Estupro corretivo
- b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.” (NR)
“Art. 234-A. …………………………………………………..
…………………………………………………………………………….
III – de metade a 2/3 (dois terços), se do crime resulta gravidez;
IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou pessoa com deficiência.” (NR)
Art. 3º Revogam-se:
I – o parágrafo único do art. 225 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
II – o art. 61 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 24 de setembro de 2018; 197o da Independência e 130o da República.
JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI
Gustavo do Vale Rocha
Grace Maria Fernandes Mendonça











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