*Por Paulo Roberto Sampaio, Henrique Brinco, Mateus Soares e Guilherme Reis

Em entrevista exclusiva concedida à Tribuna da Bahia, o presidente da Fundação Índigo, ACM Neto (União Brasil), traçou perspectivas e aprendizados consideráveis, caso decida concorrer novamente ao governo do Estado em 2026. Ele abordou possíveis ajustes em sua estratégia, destacando a importância de escolhas mais ponderadas, concentrando forças políticas e antecipando decisões cruciais.  

O ex-prefeito expressou abertamente sua autocrítica em relação à eleição de 2022, mencionando que, em um cenário hipotético, faria algumas coisas diferentes. Uma das principais mudanças seria a concentração em um número menor de partidos, evitando dispersar esforços e recursos com uma quantidade excessiva de candidatos a deputados. Além disso, ele reconheceu que a estratégia de abraçar 417 municípios teve seus desafios, sugerindo uma concentração de esforços em cidades onde sua força política era mais evidente, especialmente nas grandes e médias. 

Tribuna: O senhor estava com uma eleição ganha no ano passado. O que deu errado? 

ACM Neto: Primeiro, não há eleição ganha. Era uma eleição que a gente despontava com um bom favoritismo, especialmente pelos números das pesquisas. A gente começou um trabalho cedo rodando a Bahia, discutindo os problemas do estado, fizemos um plano de governo muito consistente. Eu tinha a consciência das dificuldades que nós iríamos enfrentar até o fim da campanha, em especial, o fato de que a Bahia tem histórico de uma eleição nacionalizada, uma influência muito grande da eleição presidencial na eleição de governador, o que acabou acontecendo. Uma parte do eleitorado não votou propriamente em Jerônimo, votou no 13, votou no número que era também o número de Lula, que acabou tendo aqui 73% dos votos no estado. Do outro lado, tem um fator que foi muito importante, que foi a máquina do governo do Estado. O governo do Estado com toda a sua estrutura, com muito recurso, conseguiu segurar uma quantidade muito grande de prefeitos, de ex-prefeitos, e essa máquina acabou tendo um peso decisivo, então eu diria que os dois principais fatores que contribuíram para a vitória do meu adversário foram esses. Ou seja, a influência nacional, o 13, o peso do Lula na Bahia e a máquina do governo do Estado, que foi utilizada como nunca antes na história do nosso estado, a serviço de uma candidatura, no caso, da candidatura de Jerônimo. 

Tribuna: Comenta-se em Brasília que o presidente Lula na atual gestão abriu mão dos palpiteiros, chamados de grilos falantes. O senhor acha que em 2022 faltou ou sobrou grilos falantes ao seu lado? 

ACM Neto: Veja, é interessante, porque, quando alguém ganha uma eleição, normalmente tem vários pais para a criança, e aí dizem que a derrota é órfã, todo mundo quer tirar o braço da seringa. No meu caso, eu prefiro assumir toda a responsabilidade do resultado da eleição, até porque, depois de tantos anos na vida pública, eu já estou acostumado a saber quem devo e quem não devo ouvir, que tipo de sugestão é adequada e qual não é adequada. Então eu não posso transferir para ninguém a responsabilidade do resultado, ela é principalmente minha em função de fatores, a meu ver, que, infelizmente, não estavam em meu alcance, na minha capacidade de manipulação. Tudo o que eu pude fazer e que estava ao meu alcance, eu fiz.

Tribuna: O senhor teve uma atitude elogiável abrindo mão de concorrer à Prefeitura no ano que vem em prol de Bruno Reis. Foi uma decisão estudada ou dolorosa para o senhor?  

ACM Neto: Não. Eu nunca tive nenhuma dúvida que Bruno tem que ser candidato nosso no próximo ano. Na verdade, eu disse isso a ele logo no dia seguinte da derrota de 2022. Nós conversamos e eu disse: ‘Olha, nosso projeto agora é você se reeleger prefeito de Salvador, o nosso foco total vai ser em te dar todo suporte para a sua reeleição’. Então nunca passou pela minha cabeça a hipótese de ser candidato no próximo ano. Primeiro porque Bruno vem sendo um grande prefeito, fazendo um belo trabalho, e tem todo direito de ter mais quatro anos. E depois porque eu já cumpri essa tarefa. Eu sou muito grato a Deus e ao povo de Salvador por ter tido a oportunidade ao longo de oito anos de governar a nossa capital. Acho que fiz da melhor forma que pude. Saí com mais de 80% de aprovação, então essa etapa na minha vida eu já vivi, e não houve, portanto, nenhuma dúvida de que não seria uma hipótese, e não é uma hipótese, disputar a Prefeitura no ano que vem. 

Tribuna: Com toda humildade, no que a “criatura” o surpreendeu sendo você o criador? 

ACM Neto: Primeiro, eu não posso dizer que propriamente me surpreendeu, porque eu esperava, tanto que ele fosse um grande prefeito, eu sabia que ele estava preparado para ser prefeito, conhecia profundamente a cidade, conhecia toda a gestão, participou comigo dos oito anos da minha gestão, então se preparou, se qualificou para ser prefeito. E do outro lado, também sabia da lealdade, da correção e do caráter de Bruno, então eu não posso dizer que me surpreendi. Agora, é bom destacar, há uma velha máxima, um velho ensinamento na política, que diz: ‘Quer conhecer o homem, dê poder a ele. Quer conhecer o homem, dê a caneta a ele’. Então, Bruno, com a postura que teve comigo, principalmente no ano passado e ao longo de toda a vida, confirmou o sentimento que eu tinha, mas que para muitos é uma surpresa, porque muitos estão acostumados a ver a deslealdade, a traição, o puxar de tapete, e ele comigo, graças a Deus, sempre foi 100% correto. 

Tribuna: Se o senhor pudesse elencar duas ações que o prefeito Bruno Reis deveria ainda tentar completar ou pelo menos dar início nesse final de primeiro mandato, o que o senhor sugeriria a ele em termos de Salvador? 

ACM Neto: Tem uma que ele já colocou como meta dele, que eu acho que é super importante, que é a implantação da maternidade em Salvador. Pelo que sei, já está com o projeto em curso, e se não concluir pelo menos vai ter esse equipamento muito bem adiantado no próximo ano, porque se você observar, na saúde, nós avançamos, na minha gestão, muito na ampliação da atenção básica, nos serviços de urgência e emergência. Construímos o primeiro hospital municipal, e de fato a Prefeitura tinha essa tarefa, esse desafio a cumprir, em relação a ter uma maternidade municipal, que ele elencou como prioridade, e que vai certamente realizar. Então esse é um ponto. O outro ponto, eu sei que o prefeito está aí muito focado em gerar uma dinâmica econômica para a cidade, vejo aí o trabalho dos secretários dele na área econômica, e acho que anunciar novos empreendimentos, atração de investimentos privados, que é algo que ele está fazendo todo esforço para viabilizar, acho que vai ser aí também, é uma expectativa minha, e acho que pode ser uma das boas novidades para o próximo ano. 

Tribuna: O senhor vem batendo muito na questão da Segurança Pública na Bahia. E, na internet, muita gente diz que na época de ACM, seu avô, bandido não se criava. Hoje, na Bahia, a gente está vendo a polícia baiana com altos índices de matança. Qual política o senhor defende no enfrentamento ao bandido? 

ACM Neto: Tem que ter. Veja, sou de uma opinião muito clara, acho que quando você tem a presença do poder público, quando você tem a presença das autoridades de segurança pública, quando você tem um governo forte, bandido não se cria. E não pode se criar mesmo. Então eu não tenho dúvidas em relação a isso, agora, a equação de hoje mostra uma política de segurança falida. Falida. Você citou aí os números de mortes em conflitos com a polícia, e, do outro lado, a Bahia é o estado que tem o maior número de assassinatos de pessoas em geral do Brasil, então, assim, está tudo errado. De quem é a responsabilidade disso? É da polícia? Não. Não é da polícia. A responsabilidade disso é do governo do Estado, é da falta de política do governo do Estado. Então, por que você vai para o estado de Goiás e lá os índices caíram todos? Porque lá tem um governo forte, que prende bandido, que quando prende o bandido, o bandido vai para a cadeia, e a cadeia é local de cumprimento de pena, não de cometimento de crime, que é o caso do nosso estado. O estado de Goiás faz toda a cadeia do dinheiro e vai cortar a cabeça das facções criminosas, porque não adianta você prender o bandido que está ali na ponta, traficando, se você não vai para a cabeça. Isso tudo demanda um trabalho de inteligência, demanda um trabalho de rastreamento do dinheiro, demanda um trabalho que envolve tecnologia. Então, assim, há solução e há caminho. Para mim, não há dúvida de que onde há governo forte, onde há governador forte, o bandido não se cria e não pode se criar.  

Tribuna: O senhor não demonstra fixação em relação a 2026, mas naturalmente deverá ser candidato. E tendo pela frente o governador Jerônimo Rodrigues e, provavelmente, o presidente Lula esperando um novo mandato. É possível encarar essas duas figuras? 

ACM Neto: Ainda não é possível conjecturar qual vai ser o cenário, de como vai estar o Jerônimo, como vai estar o Lula, como eu estarei, enfim, tudo está muito distante ainda para poder especular. Vontade para ser governador, eu tenho vontade. Nunca escondi isso. Me preparei a vida inteira para ser governador da Bahia, se um dia essa for a vontade da população, mas é claro que não vou viver em função disso, então eu tenho tocado outros projetos em minha vida, tanto na política como fora dela, pretendo ter em 2026 a possibilidade de escolher o meu destino. Claro, sou uma pessoa de grupo e vou estar inserido dentro do contexto de necessidade de grupo, mas pretendo poder escolher o meu destino e tudo vai depender do contexto, vai depender de como as coisas vão se dar até lá. Acho que a política brasileira vai mudar de configuração, porque com a decisão do Tribunal Eleitoral de considerar Bolsonaro inelegível, isso abre espaço para um outro desenho no campo de centro-direita e da direita, qual vai ser esse desenho? Nós não sabemos ainda. Então isso tudo vai interferir, há a possibilidade de ter um palanque nacional forte, a possibilidade de estar conectado em um contexto nacional de mudança, tudo isso vai contribuir e são variáveis ainda muito incertas que, a meu ver, só vão começar a se clarear da metade de 2025 em diante. Até lá, é difícil, acho que temos mais dois anos pela frente, que preciso ter cautela para ver como o cenário vai ficar. 

Tribuna: O que o senhor faria de diferente da última campanha? Vemos que seus aliados falam que o PT era muito forte e utilizou muito a marca do “13”. 

ACM Neto: Faria algumas coisas diferentes, claro que sim. Não teria trabalhado para contar com 13 partidos, teria concentrado em uma quantidade menor de partidos para concentrar a quantidade de candidatos a deputados, a gente acabou tendo muitos candidatos, isso dispersou. Alguns candidatos não trabalharam com a majoritária, não deram o resultado que nós esperávamos, então esse é um ponto. O outro ponto, eu talvez não tivesse tentado abraçar 417 municípios como fiz, a gente chegou a mais de 500 viagens, contando que em alguns lugares nós fomos sete ou oito vezes, e na minha cabeça tinha a necessidade de ter um palanque organizado em cada cidade da Bahia. Acho que talvez o caminho não fosse esse repensando agora, talvez fosse concentrar onde nós tínhamos força política e nas grandes e médias cidades, então nas pequenas cidades onde a gente tinha grupo político forte, nas pequenas e médias cidades que a gente teve um desempenho em geral muito superior do que nas menores. Em relação ao momento de escolha do vice, talvez eu tivesse antecipado. O problema não foi a Ana. Talvez o momento. Eu não falo do perfil. Eu falo do momento da escolha. Talvez se eu fosse novamente construir esse caminho, eu teria feito uma escolha antecipada. Não teria deixado para cima da hora. Então são alguns aprendizados que ficam, mas são coisas que a gente vai ter a oportunidade ou não de algum dia reavaliar.  

Tribuna: O senhor tem uma oratória muito boa. O senhor sempre soube lidar bem com a imprensa em seus dois mandatos como prefeito, mas, durante a campanha, a gente viu que o senhor se recolheu e não participou dos debates no primeiro turno, participou apenas no segundo turno. Isso também não teria impactado em sua campanha?  

ACM Neto: Eu não fui a um debate no primeiro turno, só para lembrar. Assim, na verdade, só para resgatarmos a memória, a gente não pode ir naquele debate da Bandeirantes, mas depois eu passei o primeiro turno todo pedindo que ele marcasse o dia e o horário, definisse o local, que eu debateria com ele, tête-à-tête, e ele fugiu. E no segundo turno ele não foi a nenhum dos debates. Então, assim, eu acho que o modelo, o formato de campanha no Brasil, ele não favorece esse enfrentamento mais franco dos candidatos, isso era uma coisa que tinha que ser repensado. O próprio modelo dos debates não favorece a isso, mas eu sempre fui uma pessoa muito acessível para a imprensa, ao contrário, fiz uma campanha com transmissão ao vivo de praticamente todos os eventos que eu fazia, com interação direta com as redes sociais muito forte. E aí eu enfrentei um sistema, nunca pode esquecer por exemplo o que o TRE fez comigo, me tirando 40% do tempo de televisão no primeiro turno, isso trouxe um prejuízo enorme, isso foi uma das coisas que contribuíram para o resultado no primeiro turno, mas são coisas que já foram vividas, e que a gente não tem por que ficar preso ao passado e nem remoendo esse tipo de situação.  

Tribuna: O União Brasil tem três ministérios no governo Lula, mas afinal, o partido é governo ou oposição? 

ACM Neto: Olha, eu não posso dizer que o União Brasil enquanto partido, a bancada da Câmara participa de dois ministérios e a bancada do Senado participa de um ministério no governo do presidente Lula. Nós não somos governo e não seremos governo. Porque essa discussão passa pelo partido, onde tenho voz e voto, e a minha posição é muito clara, de não defender e não contribuir para que o partido se torne base do governo. Está descartado. Isso não irá acontecer. Mas nós damos liberdade para que os deputados e senadores tocarem a sua vida na Câmara e no Senado. 

Tribuna: O que é que vai ser o projeto da Fundação Índigo? Qual será o seu objetivo?  

ACM Neto: A fundação está em fase de estruturação, até o final do ano nós vamos apresentar os projetos dela, o principal objetivo da fundação é ser o braço de reflexo dos maiores temas da política nacional, olhando a realidade do presente, mas, sobretudo, projetando o futuro, com a visão aspiracional. A fundação vai ter – e talvez esse seja o maior projeto que eu pretendo tocar – uma escola se formação de jovens líderes para descobrir talentos e vocações em todo Brasil, e abrir espaço para que essas pessoas possam ter uma oportunidade na política e na vida pública. A fundação vai procurar qualificar os quadros que já estão na política. O trabalho será buscar os que não estão na política, outro trabalho é qualificar os que já estão na política, principalmente olhando para 2024, preparando candidatos a prefeito, ajudando a elaborar planos de governo, estratégias de comunicação, de mobilização eleitoral, e, tudo isso com um olhar nacional e com uma compreensão da diversidade do Brasil e que a fundação tem um papel super importante de dar vida a ação partidária do União Brasil.