O Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro ofereceu denúncia nesta segunda-feira (17) contra os dois suspeitos de acender o rojão que matou o cinegrafista Santiago Andrade. Fábio Raposo e Caio Silva de Souza podem responder por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, sem dar chance de defesa à vítima e com emprego de explosivo –, além do crime de explosão. Na denúncia, obtida com exclusividade pela TV Globo, a promotoria atende ao pedido da polícia e solicita à Justiça que a prisão temporária dos dois suspeitos seja convertida em preventiva, para que os acusados fiquem presos até o julgamento.
Jonas Tadeu, advogado de Fábio Raposo e Caio Silva de Souza, informou que está aguardando o recebimento da denúncia para tomar as providências. A defesa pretende pedir a revogação da prisão da dupla. “O juiz vai dar a oportunidade à defesa dos réus de se manifestar em dez dias. Nessa oportunidade, a gente vai entrar com os quesitos necessários para o relaxamento da prisão”, disse Jonas Tadeu.
O Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) confirmou o recebimento da denúncia por volta das 16h. A partir de agora, a Justiça decidirá se aceita ou não a denúncia e, posteriormente, se pronuncia ou não os acusados.
Uma vez levados ao Tribunal do Júri, se condenados, Caio e Fábio podem receber pena de até 30 anos de prisão cada um.
Denúncia
A promotora Vera Regina de Almeida, titular da 8ª Promotoria de Investigação Penal, responsável por avaliar o inquérito de 175 páginas, assina denúncia.
No texto, a promotora afirma que Caio e Fábio atuaram em conjunto, com “divisão de tarefas”.
“Na execução do crime, os denunciados agiram detendo o domínio funcional do fato, mantendo entre eles uma divisão de tarefas, com Fábio entregando para Caio o rojão com a finalidade, previamente por ambos acordada, de direcioná-lo ao local onde estava a multidão e os policiais militares e, assim, causar um grande tumulto no local, não se importando se, em decorrência dessa ação, pessoas pudessem vir a se ferir gravemente, ou mesmo morrer, como efetivamente ocorreu”, diz o texto.
Risco de matar
Em outro trecho, a promotora Vera Regina de Almeida sustenta que, ao acender o rojão, a dupla assumiu o risco de matar.
“Agindo assim, os denunciados, de forma consciente e voluntária, em comunhão de ações e desígnios, expuseram a perigo a vida e a integridade física das pessoas que se encontravam no local, bem como o patrimônio público, mediante a colocação de artefato explosivo. Da mesma forma, assumiram o risco de causarem a morte de outrem, não se importando com quem estivesse próximo ao local onde o rojão foi acionado, causando, assim, a morte de Santiago Ilidio de Andrade, que foi atingido na parte de trás da cabeça”, diz o texto.
Prisões
Fábio foi preso no domingo (9) na casa dos pais, no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, e Caio foi detido na quarta-feira (12), em uma pousada em Feira de Santana, na Bahia.
Na quinta-feira (13), o delegado ouviu os últimos depoimentos do caso. Segundo ele, um colega de Caio do Hospital Rocha Faria, onde o suspeito trabalhava como auxiliar serviços gerais, contou na delegacia que no dia 6, durante o protesto em que o crime ocorreu, Caio telefonou por volta das 19h30, ofegante, dizendo que tinha feito besteira e matado um homem.
Na sexta-feira (14), o delegado entregou ao MP o inquérito sobre a morte do cinegrafista. Caio e Fábio estão presos no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, Zona Oeste.
Financiamento
O inquérito sobre o suposto financiamento de grupos e participação de partidos políticos no protesto não será feito pelo delegado Maurício Luciano. A afirmação foi feita por ele durante a entrevista coletiva na quinta-feira. “O que nós temos aqui são provas robustas de testemunhas e materialidade do crime. Essa investigação não pode ser contaminada. Não posso trazer ingredientes políticos para cá”, explicou.
Caio nega em depoimento
Caio negou em depoimento ter acendido o rojão que causou a morte do cinegrafista e jogou a culpa em Raposo. A versão difere do que o suspeito havia afirmado horas antes à TV Globo na Bahia, onde foi preso. Em entrevista à reporter Bette Lucchese, ele disse que acendeu o rojão junto com Raposo. “Acendi, sim”, admitiu o jovem.
Mulher desabafa
A mulher do cinegrafista, Arlita Andrade, fez um desabafo no dia 9, em entrevista exclusiva à TV Globo, e disse que “falta amor” às pessoas responsáveis por ferir gravemente seu marido. A declaração foi dada antes da divulgação da morte cerebral dele. “Eles destruíram uma família. Uma família que era unida, muito unida mesmo”, lamentou Arlita. Além da mulher, Andrade deixa uma filha e três enteados.
Velório e cremação
Santiago foi atingido na cabeça por um rojão quando registrava o confronto entre a Polícia Militar e manifestantes há uma semana na Central do Brasil, no Centro do Rio. Ele sofreu um afundamento do crânio, foi submetido a uma cirurgia e passou quatro dias internado no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital Municipal Souza Aguiar. No dia 10, teve morte cerebral, e a família decidiu doar os órgãos do cinegrafista.
O corpo dele foi velado e depois cremado na manhã de quinta-feira no Memorial do Carmo, no Caju, Zona Portuária. Na cerimônia, colegas de trabalho da Rede Bandeirantes e familiares estiveram presentes. Em homenagem, funcionários da emissora usaram uma camiseta com uma imagem em que o cinegrafista aparece filmando do céu.
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