Pouco se fala sobre a alfabetização no Brasil. Dos 12,9 milhões de brasileiros analfabetos, hoje, grande parte já é adulta. Para evitar que formemos mais cidadãos com pouco domínio das letras e dos números, existem diversas políticas públicas que sonham em alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade. Será possível? O que tem sido feito a respeito?

Confira agora como está a alfabetização no Brasil e as metas educacionais para os próximos anos.

O QUE É SER ALFABETIZADO?

A, B, C, D, E… O alfabeto não é o mesmo em todas as partes do mundo. Explicar o processo de aprendizagem não é simples, assim como tentar definir o melhor método de ensino do nosso idioma não tem consenso entre os educadores. No entanto, se uma pessoa sabe assinar seu nome no título de eleitor, significa que ela entende sabe ler e escrever, certo?

Não sempre! Além de decodificar e codificar uma palavra, como o nome “Maria”, o país considera as habilidades de letramento e numeramento. Para que saber o sistema alfabético da escrita, se não entender as propostas no texto que o candidato panfletou? Ou que a ordem dos números representa um candidato e, se inverter, o voto pode ir para outro?

Vamos ao exemplo da Maria!

O processo de codificação, resumindo, é pensar assim: M (um grafema) -> MA (um fonema) -> MA + RI +A

O processo de letramento é o uso social, com contextos e significados: “Maria é uma jovem de 16 anos que já pode votar”

E o numeramento é aplicar bem um raciocínio lógico nos números: “Maria sabe que 30% das intenções de voto no candidato x é mais favorável à eleição do que o candidato y, como leu na pesquisa eleitoral da sua cidade.”

Desse modo, o governo brasileiro estabeleceu níveis de proficiência em leitura, escrita e matemática, a fim de entender em qual etapa do ciclo de alfabetização estão as crianças na escola. As metas de alfabetização tentam não repetir um histórico negativo no país: os jovens e adultos analfabetos, que nunca entraram na escola ou que completaram o Ensino Fundamental sem o ciclo na “idade certa”. Eles representam 8% dos cidadãos acima de 15 anos, sendo mais numerosos no campo e entre idosos.

PRINCIPAIS PROGRAMAS E POLÍTICAS PÚBLICAS EM ALFABETIZAÇÃO

A responsabilidade da educação está dividida entre os três níveis de governo, mas o Estado formula e financia políticas públicas a serem aplicadas por todo o país. Vamos conhecê-las?

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Se a Constituição de 1988 garantiu a universalização do acesso à educação, somente em 2006 tornou-se obrigatória a matrícula no Ensino Fundamental a partir dos 6 anos de idade. Nesse mesmo período, o segmento passou de 8 séries para 9 anos, isto é, um ano a mais de estudo, como uma proposta para fortalecer a Educação Básica no país. Já o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) é um acordo entre União, estados, municípios e distrito federal para implementar projetos alinhados também às metas do PNE:

  1. Formação especializada e continuada dos professores;
  2. Materiais didáticos: jogos e tecnologias educacionais, livros e obras de apoio;
  3. Gestão e mobilização social: implementação das ações por coordenadores locais e conselhos escolares;
  4. Avaliações: Provinha Brasil, aplicada no 2º ano para intervir na aprendizagem, e Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), para crianças no final do terceiro ano.

Se os níveis de alfabetização, letramento e numeramento estão sendo mensurados, então os professores já têm como educar melhor, certo? Embora não seja uma questão de apenas aprimorar a aprendizagem dos alunos, há programas voltados para a formação do professor.

Desde 2004, a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores se propõe a capacitar os educadores. O programa Pró-Letramento, lançado em 2006, oferece cursos sobre o ensino nas classes do primeiro ao quinto ano. Em parceria com universidades, o foco está no desenvolvimento de habilidades básicas em ciências, português e matemática. Os professores que participam são considerados para dar aulas no Pnaic, por dominarem o processo de aprendizagem na fase da alfabetização.

COMO ESTÃO AS CRIANÇAS BRASILEIRAS?

O terceiro ano do Ensino Fundamental (EF) é o ano-chave para a alfabetização no país. O Ministério da Educação (MEC) tentou adiantar a meta do ciclo de alfabetização completo para o segundo ano, mas voltou atrás por programas na área já estarem estruturados para alunos de até 8 anos – e não 7. Mas será que faz tanta diferença esse detalhe?

Atualmente, 77,8% dos alunos do terceiro ano estão em nível adequado de leitura, 65,5% estão em nível adequado de escrita e apenas 42,9% tiveram aprendizagem adequada em matemática, sendo que um quarto dos alunos está no nível mais básico nos números, ou seja, com baixo numeramento.

Os resultados são da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), que aplica questões de matemática, literatura e redação para avaliar se estamos mesmo perto de alfabetizar até os 8 anos.

Além disso, o esforço para analisar o ciclo de alfabetização é tanto que o Plano Nacional de Educação (PNE) preparou estratégias para alcançar essa meta até 2024, por meio de estratégias nacionais como:

  • Articulação do Ensino Fundamental com a Pré-escola;
  • Avaliação nacional;
  • Tecnologias educacionais, tanto para ensinar quanto para analisar dados;
  • Inovação em metodologias pedagógicas;
  • Alfabetização em comunidades indígenas, quilombolas, itinerantes e do campo;
  • Formação inicial e continuada de professores;
  • Alfabetização de pessoas com deficiência, incluindo surdos e outras especificidades.

Parece bem completinho, certo? Embora tenha sido criado, em 2012, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) como principal ferramenta e política pública na área, a Constituição de 1988 determina a gestão dos anos iniciais do EF aos municípios – em poucos casos, os estados também oferecem escolas nesse segmento.

Na missão de compreender o gigantismo de realidades municipais tão diferentes, a ONG Todos pela Educação compartilhou dados da Prova ABC no relatório De Olho nas Metas. Na análise, apontou diferenças no nível de alfabetização entre crianças do campo e de áreas urbanas; de redes municipais e estaduais; de níveis socioeconômicos (NSE) baixos e altos; das regiões sul, sudoeste e centro-oeste contra norte e nordeste; entre outros indicadores.

Essas conclusões são essenciais para a determinação de políticas mais assertivas. Afinal, a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) do Pnaic começou apenas em 2013, sendo cancelada em 2015 e com resultados ainda não divulgados da edição em 2016. Como a Prova ABC também é desta década, o histórico dos avanços ainda está sendo construído.

COMO ESTÁ A ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS?

Fonte: Pixabay.

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Ser plenamente alfabetizado é ter habilidades de leitura, escrita e matemática, sabendo utilizar esses conhecimentos em situações sociais. Além disso, hoje existe a demanda de alfabetizar-se digitalmente – e financeiramente – para o desenvolvimento da economia, da saúde e do país. Então, como garantir que cada brasileiro esteja devidamente alfabetizado?

A educação de jovens e adultos é diferente à da criança. Com vivências, bagagem cultural e alguma passagem pela escola, 27% das pessoas com mais de 15 anos têm analfabetismo funcional. Isso significa que 1 a cada 4 adultos, principalmente idosos, conhecem as letras e os números, mas não conseguem interpretar textos e fazer operações matemáticas básicas. Até 2024, o PNE almeja erradicar o analfabetismo absoluto e diminuir para 13,5% o analfabetismo funcional. Para isso, o MEC aposta no Programa Brasil Alfabetizado (PBA).

A política pública voltada para a alfabetização de jovens e adultos consiste em:

  • Reconhecer a educação como direito humano e ferramenta para transformação pessoal;
  • Oferecer alfabetização como porta de entrada para a educação nas séries seguintes;
  • Garantir a escolarização das pessoas ao longo de toda a vida;
  • Apoiar técnica e financeiramente projetos de alfabetização de jovens, adultos e idosos, na área pública e no setor privado, se devidamente cadastrados;
  • Material didático gratuito pelo Programa Nacional do Livro Didático de Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA), que educa a partir das vivências do aluno.

ANALFABETO PODE VOTAR?

Sim, analfabetos maiores de 16 anos tem o direito de votar, mas não é um voto obrigatório.

No entanto, a Justiça Eleitoral considera o analfabetismo um “item de inelegibilidade”, ou seja, o indivíduo não pode ser votado. É por isso que os analfabetos não têm direitos políticos plenos, estando proibidos de concorrer a um cargo eletivo na política brasileira.

direito ao voto é historicamente relacionado ao conceito de educação, motivo que excluiu os analfabetos das Constituições de 193719461967 e, inclusive, do Código Eleitoral e da Justiça Eleitoral criado em 1932. Após 104 anos, a Constituição Cidadã estabeleceu, no artigo 14, que:

“a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”

A partir de então, jovens e adultos analfabetos voltaram a eleger seus representantes políticos.

DESAFIOS PELA FRENTE

Nos últimos anos, 90,5% das crianças brasileiras até 5 anos foram matriculadas em creches e pré-escolas. Uma das metas do governo federal é ultrapassar esse feito no Ensino Fundamental, com a ambição de 95% da população de 6 a 14 anos concluí-lo na idade correta. Isso significa garantir a alfabetização absoluta antes dos 15 anos.

Entre os desafios, está uma realidade em que 38% dos analfabetos latino-americanos são brasileiros, segundo pesquisa da UNESCO em 2014. Além de oferecer acesso amplo à educação básica, o que ajuda a manter instituições democráticas, o Brasil ainda precisa vencer as diferenças regionais, culturais, econômicas e linguísticas. Para tanto, podemos acompanhar o Observatório do Plano Nacional de Educaçãofiscalizar as estratégias do governo e exercer a nossa cidadania. Vamos juntos?