O Brasil registrou 66.020 casos de estupro em 2021, um aumento de 4,2% em relação a 2020, segundo o novo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta semana. Para Jorge Lordello, especialista em segurança pública e delegado de polícia por mais de 25 anos, os resultados são reflexos da pandemia de Covid-19, quando as pessoas tiveram que ficar isoladas em casa. Ele também aponta a falta de políticas públicas de prevenção para este tipo de crime no país. “Precisamos tratar o problema e não a causa”, resume.
“Chama muita atenção esse número alto de estupros. As ruas estavam com movimento reduzido. Em contrapartida, os dois tipos de estupro entre quatro paredes subiram”, analisa. Ainda segundo o Anuário de Segurança Pública, em 79,6% dos mais de 66 mil casos o agressor era conhecido da vítima. “As pessoas ficaram trancadas dentro de casa, o que dificulta a realização da denúncia. A pressão também é maior por estar em convívio com o autor [do crime]. As pessoas saíram de um habitual para uma vida mais isolada. Situação totalmente nova e que redundou em muita violência”, lamenta.
Além disso, 75,5% das vítimas dos estupros eram vulneráveis – deste total, 61,3% tinham até 13 anos. Para Lordello, há traços enraizados na cultura do Brasil que contribuem para a criação de um ambiente propício para a propagação desse tipo de crime. “Há muitos homens e mulheres que têm desvio de conduta sexual e sentem atração por crianças. Elas são vulneráveis por serem frágeis, por desconhecimento e também por acreditar no autor. Por isso, existem muitos casos de estupro dentro de casa e que não chegam ao ouvido da polícia”, diz. “Outra coisa que temos no país é, por exemplo, a mãe estar andando na rua com a criança e chega uma pessoa conhecida e pede para pegar no colo. Uma cultura tropical de querer agarrar a criança. Isso facilita a atuação do estuprador, porque as pessoas permitem, acham normal pegar no colo. Isso não é legal, esse tipo de intimidade física”, acrescenta.
O Anuário de Segurança Pública traz outro dado preocupante: em 2021, foram registrados 19.136 casos de violência contra crianças e adolescentes no Brasil, um salto de 21,3% em relação a 2020. Desse total, cerca de um quarto (26%) envolveu crianças de zero a 4 anos; em 36% dos casos, as vítimas tinham entre 5 e 9 anos. “Pai e mãe trabalham todo dia e têm pouco contato com o filho. Com a pandemia, tiveram que ficar em casa. Temos que entender que houve uma irritabilidade de quebrar a rotina, perda financeira, medo do desemprego, o desemprego, uso de bebida alcoólica, drogas e remédios de tarja preta. Muitas pessoas estão sofrendo problemas emocionais e acabam ficando mais agressivas”, afirma o especialista.
Ao longo de 2021, 2.555 crianças e adolescentes foram assassinados. Lordello diz que a violência doméstica é um processo com etapas, que, se não interrompido, pode resultar em uma tragédia. “A violência é crescente. O maior pico dela é a morte. Como as pessoas estavam em casa e ninguém visitava, para saber se houve ou não agressão, era criado um terreno fértil para este crime”, avalia. A solução para diminuir os índices, segundo o analista, é a criação de políticas públicas de prevenção.
Lordello pontua que, diferentemente de países como Estados Unidos e Finlândia, o Brasil pensa apenas em soluções imediatas. “Aqui, querem encontrar soluções rápidas, que chamo de mágicas. Elas não funcionam. Geralmente pedem para aumentar a pena ou criar um tipo penal específico para isso ou para aquilo. Problemas graves, como estupro e violência doméstica, não são resolvidos assim. Não temos prevenção. Depois de viajar pelo mundo, vejo que outros países trabalham com prevenção desde criança. No Brasil, pelo contrário, esperam acontecer para depois tomar uma medida”, finalizou.
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