É de 2002 a legislação que regula a passagem entre governo eleito e governo em fim de mandato, sancionada para aquela que foi a mais civilizada e cooperativa transição entre governos de situação e oposição eleito do Brasil redemocraticado, conforme relato do cientista político Matias Spektor, autor do livro “18 dias” (Editora Objetiva, 2014).
Além de um gabinete de transição criado para a política interna por força de Medida Provisória 76/2002 – depois convertida na Lei 10.609, de 20 de dezembro de 2002 – , o então presidente tucano Fernando Henrique Cardoso também interveio no contexto internacional, ajudando a dissipar a desconfiança que existia do governo norte-americano em relação ao recém-eleito metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores.
Eram adversários, não inimigos. Ambos lutaram pela redemocratização do Brasil e tinham por princípio, o valor fundante de toda a democracia: o respeito às regras do jogo.
Vinte anos depois o Brasil acompanha, em suspense, como será a transição do governo de Jair Bolsonaro (PL) para o governo eleito Lula, – que se inicia, segundo a legislação, a partir do segundo dia útil após o turno eleitoral, portanto nesta quarta-feira – que se segue à mais acirrada e violenta eleição da história da Nova República.
Os tempos são outros; mas, sobretudo e mais importante, o governo de  situação que perde é, em todos os sentidos, muito diferente. Assimilando as estratégias e modus operandi da extrema direita transnacional, tratando adversários como inimigos, questionando as urnas eletrônicas e o processo eleitoral brasileiro – enquanto ameaçou um sem-número de vezes a ordem institucional democrática – Jair Bolsonaro tem tudo, menos boa vontade para colaborar com a transição pacífica e organizada.

“Até hoje nunca aconteceu. Mas se o presidente não cumprir a legislação em vigor, caberá ao presidente eleito  recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que a lei seja observada, de tal forma que quando o presidente Lula tomar posse em 1º de janeiro de 2023, tenha todas as informações necessárias para iniciar a sua gestão, sem comprometer as operações do estado brasileiro”, afirma o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE), Durval Ângelo.

Nos últimos vinte anos, a única transição com potencial para conflitos foi a de 2002: ocorreu entre partidos adversários que disputaram entre si o segundo turno do pleito presidencial naquele ano. As três sucessões seguintes – entre 2006 e 2014 – foram reeleições e eleição da sucessora Dilma Rousseff (PT), com o apoio do então presidente. Após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, assumiu o vice-presidente Michel Temer (MDB), que, por seu turno, havia apoiado Bolsonado no segundo turno das eleições de 2018.
Entre Michel Temer e Bolsonaro, foi uma transição sem sobressaltos, com o funcionamento do escritório de transição no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, colocado em operação pela primeira vez na transição de 2002. Temer na ocasião ofereceu  a Granja do Torto à equipe de Bolsonaro. A transição neste 2022, contudo, tem todos os ingredientes para um processo de atritos e boicotes, dada a violência da disputa e tratamento de “inimigo interno” dispensado pela narrativa bolsonarista à oposição.
A atual legislação não prevê sanções aos governos que eventualmente venham a descumprir os dispositivos previstos para a transição. Nesse sentido, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei complementar, autoria do deputado federal reeleito Assis de Carvalho (PT-PI) que disciplina a transição e tipifica a não observância dos dispositivos, ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, sem prejuízo da aplicação de outras sanções cabíveis.
“O processo de transição é indispensável à transparência da gestão pública, ao planejamento das ações de governo e à continuidade dos serviços públicos, razão pela qual não é aceitável que se baseie apenas na boa vontade e no espírito público de alguns governantes. É necessário, portanto, que esse processo seja institucionalizado, inclusive com a previsão das sanções – improbidade administrativa, por exemplo – para as eventuais transgressões das regras legais estabelecidas”, justifica o parlamentar.
Sem tempo hábil para que seja aprovada para esta transição, a matéria regulamentará transições futuras do governo federal. Para estados e municípios, define as competências locais para a regulamentação dos processos.

O que diz a lei

São garantias da Lei 10.609, de 2002, que dispõe sobre a instituição de equipe de transição pelo candidato eleito para o cargo de Presidente da República, cria cargos em comissão, e dá outras providências.
  • Ao candidato eleito para o cargo de Presidente da República é facultado o direito de instituir equipe de transição;
  • A equipe de transição tem por objetivo inteirar-se do funcionamento dos órgãos e entidades que compõem a administração pública federal e preparar os atos de iniciativa do novo Presidente da República, a serem editados imediatamente após a posse.
  • Os membros da equipe de transição serão indicados pelo candidato eleito e terão acesso às informações relativas às contas públicas, aos programas e aos projetos do governo federal.
  • A equipe de transição será supervisionada por um coordenador, a quem competirá requisitar as informações dos órgãos e entidades da administração pública federal.
  • Caso a indicação de membro da equipe de transição recaia em servidor público federal, sua requisição será feita pelo Chefe da Casa Civil da Presidência da República e terá efeitos jurídicos equivalentes aos atos de requisição para exercício na Presidência da República.
  • O presidente da República poderá nomear o coordenador da equipe de transição para o cargo de Ministro Extraordinário, caso a indicação recaia sobre membro do Poder Legislativo Federal.
  •  Os titulares dos órgãos e entidades da administração pública federal ficam obrigados a fornecer as informações solicitadas pelo coordenador da equipe de transição, bem como a prestar-lhe o apoio técnico e administrativo necessários aos seus trabalhos.
  • Ficam criados cinqüenta cargos em comissão, denominados cargos especiais de transição governamental (CETG), de exercício privativo da equipe de transição, exonerados até dez dias após a posse do presidente eleito.
  •  Os cargos a partir do segundo dia útil após a data do turno que decidir as eleições presidenciais e deverão estar vagos obrigatoriamente no prazo de até dez dias contados da posse do candidato eleito.

 “18 dias”

O Livro “18 dias” é um trabalho de pesquisa do cientista político Matias Spektor, que revela os bastidores da transição entre governos do PSDB e PT em 2002, de como Lula e Fernando Henrique Cardoso trabalharam juntos para quebrar a resistência do governo Bush ao PT.
O autor reconstitui 18 dias da delicada transição presidencial quando presidente e presidente eleito, de partidos adversários, se uniram para impedir que a direita norte-americana ameaçasse a chegada da esquerda brasileira ao poder. Forçados pelas circunstâncias, juntos conduziram uma transição democrática sem precedentes.
A história começa em 28 de outubro, um dia depois da vitória petista, quando osé Dirceu e Condoleezza Rice costuraram uma delicada aproximação entre seus respectivos chefes. E termina com o encontro histórico de 10 de dezembro, quando Lula e Bush, tendo recebido apoio ativo de FHC, se encontraram na Casa Branca pela primeira vez.
Por meio do uso estratégico da diplomacia como instrumento a serviço do Palácio do Planalto, o autor mostra por que a troca de comando entre tucanos e petistas levou a Casa Branca a enxergar no Brasil uma potência emergente.

 

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

 

LEI No 10.609, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2002.

Conversão da MPv nº 76, de 2002

Dispõe sobre a instituição de equipe de transição pelo candidato eleito para o cargo de Presidente da República, cria cargos em comissão, e dá outras providências.

Faço saber que o PRESIDENTE DA REPÚBLICA adotou a Medida Provisória nº 76, de 2002, que o Congresso Nacional aprovou, e eu, Ramez Tebet, Presidente da Mesa do Congresso Nacional, para os efeitos do disposto no art. 62 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda constitucional nº 32, de 2001, promulgo a seguinte Lei:

Art. 1o  Ao candidato eleito para o cargo de Presidente da República é facultado o direito de instituir equipe de transição, observado o disposto nesta Lei.

Art. 2o  A equipe de transição de que trata o art. 1o tem por objetivo inteirar-se do funcionamento dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública federal e preparar os atos de iniciativa do novo Presidente da República, a serem editados imediatamente após a posse.

§ 1o  Os membros da equipe de transição serão indicados pelo candidato eleito e terão acesso às informações relativas às contas públicas, aos programas e aos projetos do Governo federal.

§ 2o  A equipe de transição será supervisionada por um Coordenador, a quem competirá requisitar as informações dos órgãos e entidades da Administração Pública federal.

§ 3o  Caso a indicação de membro da equipe de transição recaia em servidor público federal, sua requisição será feita pelo Chefe da Casa Civil da Presidência da República e terá efeitos jurídicos equivalentes aos atos de requisição para exercício na Presidência da República.

§ 4o  O Presidente da República poderá nomear o Coordenador da equipe de transição para o cargo de Ministro Extraordinário, nos termos do art. 37 do Decreto-Lei no 200, de 25 de fevereiro de 1967, caso a indicação recaia sobre membro do Poder Legislativo Federal.

§ 5o  Na hipótese da nomeação referida no § 4o, fica vedado o provimento do cargo CETG-VII constante do Anexo a esta Lei.

Art. 3o  Os titulares dos órgãos e entidades da Administração Pública federal ficam obrigados a fornecer as informações solicitadas pelo Coordenador da equipe de transição, bem como a prestar-lhe o apoio técnico e administrativo necessários aos seus trabalhos.

Art. 4o  Ficam criados cinqüenta cargos em comissão, denominados Cargos Especiais de Transição Governamental – CETG, de exercício privativo da equipe de transição de que trata o art. 1o, nos quantitativos e valores previstos no Anexo a esta Lei.

§ 1o  Os cargos de que trata o caput deste artigo somente serão providos no último ano de cada mandato presidencial, a partir do segundo dia útil após a data do turno que decidir as eleições presidenciais e deverão estar vagos obrigatoriamente no prazo de até dez dias contados da posse do candidato eleito.

§ 2o  A nomeação dos ocupantes dos cargos de que trata o caput deste artigo será feita pelo Chefe da Casa Civil da Presidência da República, observado o disposto no § 4o do art. 2o.

§ 3o  O servidor ocupante de cargo efetivo ou emprego permanente na Administração Pública federal direta ou indireta, investido em CETG, poderá optar por uma das remunerações a seguir discriminadas, obedecidos os limites fixados pela Lei no 8.852, de 4 de fevereiro de 1994:    (Revogado pela Medida Provisória nº 375, de 2007) (Revogado pela Lei nº 11.526, de 2007).
        I – valor do CETG, acrescido dos anuênios;(Revogado pela Medida Provisória nº 375, de 2007) (Revogado pela Lei nº 11.526, de 2007).
II – diferença entre o valor do CETG e a remuneração do cargo efetivo ou emprego; ou(Revogado pela Medida Provisória nº 375, de 2007) 
(Revogado pela Lei nº 11.526, de 2007).
III – remuneração do cargo efetivo ou emprego, observadas, quanto às gratificações com base no desempenho ou produtividade, as regras aplicáveis aos ocupantes de cargos em comissão com remuneração equivalente, acrescida dos seguintes percentuais da remuneração do respectivo CETG:(Revogado pela Medida Provisória nº 375, de 2007) 
(Revogado pela Lei nº 11.526, de 2007).
a) sessenta e cinco por cento da remuneração dos CETG, níveis I e II;(Revogado pela Medida Provisória nº 375, de 2007) 
(Revogado pela Lei nº 11.526, de 2007).
b) setenta e cinco por cento da remuneração dos CETG, nível III; ou(Revogado pela Medida Provisória nº 375, de 2007) 
(Revogado pela Lei nº 11.526, de 2007).
c) quarenta por cento da remuneração dos CETG, níveis IV, V e VI.(Revogado pela Medida Provisória nº 375, de 2007) 
(Revogado pela Lei nº 11.526, de 2007).

§ 4o  Todos os membros da equipe de transição nomeados na forma do § 2o serão automaticamente exonerados ao final do prazo de que trata o § 1o.

§ 5o  É vedada a acumulação de CETG com outros cargos em comissão ou função de confiança de qualquer natureza na Administração Pública.

§ 6o  Excepcionalmente, no exercício de 2002, o provimento dos cargos criados na forma do caput fica condicionado à prévia expedição de ato do Poder Executivo que promova a vedação, pelo período estipulado no § 1o, do provimento de cargos e funções comissionadas cujo montante de remuneração seja igual ou superior, em bases mensais, ao dos referidos cargos.

Art. 5o  Sem prejuízo dos deveres e das proibições estabelecidos pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, os titulares dos cargos de que trata o art. 4o deverão manter sigilo dos dados e informações confidenciais a que tiverem acesso, sob pena de responsabilização, nos termos da legislação específica.

Art. 6o  Compete à Casa Civil da Presidência da República disponibilizar, aos candidatos eleitos para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, local, infra-estrutura e apoio administrativo necessários ao desempenho de suas atividades.

Art. 7o  As propostas orçamentárias para os anos em que ocorrerem eleições presidenciais deverão prever dotações orçamentárias, alocadas em ação específica na Presidência da República, para atendimento das despesas decorrentes do disposto nos arts. 1o, 2o, 4o e 6o desta Lei.

Parágrafo único.  Excepcionalmente, nos exercícios de 2002 e 2003, não se aplica a exigência de ação específica de que trata o caput, e as referidas despesas correrão à conta das dotações orçamentárias alocadas à Presidência da República, cabendo ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão propor os créditos suplementares eventualmente necessários.

Art. 8o  O Coordenador da equipe de transição poderá delegar, mediante portaria, a atribuição de que trata o § 2o do art. 2o desta Medida Provisória a membros da equipe ocupantes de CETG, níveis V e VI.

Art. 9o  O disposto nesta Medida Provisória não se aplica no caso de reeleição de Presidente da República.

Art. 10.  O art. 1o da Lei no 7.474, de 8 de maio de 1986, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1o  ……………………………………………………………………….

§ 1o  Os quatro servidores e os motoristas de que trata o caput deste artigo, de livre indicação do ex-Presidente da República, ocuparão cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, até o nível 4, ou gratificações de representação, da estrutura da Presidência da República.

§ 2o  Além dos servidores de que trata o caput, os ex-Presidentes da República poderão contar, ainda, com o assessoramento de dois servidores ocupantes de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, de nível 5.” (NR)

Art. 11.  Os candidatos eleitos para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República poderão ter, mediante solicitação do Coordenador da equipe de transição, segurança pessoal garantida nos termos do disposto no art. 6ocaput § 5o, da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998.

Art. 12.  Para atendimento ao disposto no § 2o do art. 1o da Lei no 7.474, de 1986, ficam criados, a partir de 1o de janeiro de 2003, na Casa Civil da Presidência da República, seis cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, DAS-102.5.

Parágrafo único.  Excepcionalmente, no exercício de 2003, o provimento dos cargos criados nos termos do caput fica condicionado à prévia edição de ato do Poder Executivo que promova a extinção de cargos e funções comissionadas cujo montante de remuneração seja igual ou superior, em bases mensais, ao dos cargos a serem providos.

Art. 13.  O Poder Executivo adotará as providências necessárias ao cumprimento do disposto nesta Lei.

Art. 14.  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 15. Fica revogado o art. 5o da Lei no 8.889, de 21 de junho de 1994.

Congresso Nacional, em 20 de dezembro de 2002; 181o da Independência e 114o da República.

Senador RAMEZ TEBET
Presidente da Mesa do Congresso Nacional