Dificuldade de coordenação, diminuição dos reflexos e comprometimento do raciocínio são algumas características que quem está embriagado apresenta. Imagine pegar carona com uma pessoa nessas condições. Apesar da ideia ser assustadora, encontrar alguém que aceite esse desafio é mais comum do que se imagina e, infelizmente, em muitos casos, o retorno para casa com alguém nessa situação termina em acidente.

Na tentativa de reduzir o número de vítimas, foi instituída, em 19 de junho de 2008, a chamada Lei Seca. Seu objetivo foi estabelecer penalidades para os motoristas flagrados dirigindo depois de consumir bebida alcoólica. Segundo dados recentes divulgados pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), a legislação influenciou na queda dos índices relacionados à embriaguez ao volante, mas ainda não pode ser considerada efetivamente eficiente.

De acordo com a pesquisa Panorama dos Acidentes de Trânsito por Uso de Álcool no Brasil, entre 2010 e 2021, houve diminuição de 32% no número de mortes decorrentes de acidentes de trânsito causados por uso de álcool. No mesmo período, porém, o número de internações aumentou 34%. Enquanto em 2010 foram contabilizadas sete mortes e 27 internações a cada cem mil habitantes, em 2021, a quantidade de mortes caiu para cinco e a de internações subiu para 36 a cada cem mil habitantes.

Para deixar ainda mais claro: mesmo com a lei em vigor há tanto tempo, em 2021, ano em que muitas pessoas ficaram em casa em razão da pandemia de covid-19, a combinação de bebida alcoólica com direção causou 8,7 hospitalizações e 1,2 morte por hora no País, segundo dados do Ministério da Saúde. Assim, sem desmerecer os resultados já alcançados pela lei, é inevitável que surja uma série de questionamentos sobre a real efetividade da fiscalização e de demais medidas tomadas para combater esses índices ainda preocupantes.

“A Lei Seca, na prática, não proíbe ninguém de consumir bebida alcoólica, mas proíbe que a pessoa beba e dirija. Essa legislação foi um grande avanço para o nosso país e foi uma lei bem recebida por outros países. Não basta, porém, ter a lei escrita, ela precisa ser cumprida pelas pessoas e fiscalizada. Os mecanismos de fiscalização são o que, inicialmente, contribuem para essa mudança de comportamento, além de outros processos, como é o caso da educação e da conscientização das pessoas”, diz Roberta Torres, especialista em segurança no trânsito.

A fiscalização da lei não acontece de forma homogênea em todo o Brasil e depende de esforços empregados localmente. Entre as dificuldades encontradas pelos órgãos que atuam na área, segundo Roberta, estão a falta de efetivo e o baixo investimento em equipamentos: “é necessário gente, viatura e o bafômetro. E a grande reclamação que eu ouço dos profissionais que atuam na área é que adianta pouco ir para a rua sem as ferramentas para fiscalizar. Assim, percebemos o impacto da falta de investimento público no setor”.

É preciso destacar ainda a falta de modernização para combater os que driblam as barreiras policiais e divulgam a localização das blitze para evitar que os motoristas caiam na fiscalização. Há anos esse processo acontece e há uma infinidade de sites e grupos de redes sociais nos quais os próprios condutores informam, em tempo real, essas ocorrências. Mas o despreparo do Poder Público acaba incentivando a falta de consciência de parte
da população.

Direção não é brincadeira
Conduzir um veículo exige idade, treino, fazer uma prova e obter o documento que comprove habilidade para desempenhar essa tarefa. Todo esse processo existe justamente porque um carro nas mãos de alguém despreparado pode causar danos irreversíveis. Mas, infelizmente, mesmo conhecendo as regras básicas de trânsito, muitos ainda insistem em arriscar a própria vida e colocar a de terceiros – seja passageiro, pedestre, motociclista ou ciclista – em risco.

Quantos se acidentam porque passaram no sinal vermelho ou porque estão falando no celular, digitando uma mensagem ou fazendo uma manobra em local proibido? As regras são claras e existem por um motivo: dirigir não é brincadeira.
No caso da mistura de álcool e direção a situação é ainda pior, mas, infelizmente, na empolgação, muitos se convencem de que “está tudo bem” e aí o estrago é grande. “O impacto dos acidentes que envolvem álcool e direção é imenso. Para quem causou o acidente fica a culpa e a responsabilização para o resto da vida. Para quem perdeu um ente querido ou ficou com sequelas graves, a consequência também é imensurável. Já para o governo há o custo financeiro”, explica Roberta. Entre eles podem ser citados o pronto atendimento, a internação, a medicação e os reparos na via. “No Brasil, quando todos os custos dos acidentes de trânsito são somados, são gastos todos os anos R$ 56 bilhões e quem paga essa conta é a própria população”, diz Roberta.

Mudando a rota
Para derrubar os índices de acidentes e melhorar a segurança no trânsito são necessárias diversas iniciativas conjuntas, como educação, conscientização e fiscalização. Quanto mais cedo se aprender quanto à importância de obedecer às regras de trânsito, mais naturais elas serão no dia a dia da população. Isso leva tempo, pois trata-se da mudança de um comportamento enraizado na sociedade, mas é preciso começar de algum modo.

O Poder Público é responsável por fortalecer a fiscalização e investir na manutenção das vias, no transporte público no período noturno e em campanhas de conscientização. As mortes no trânsito causadas pelo uso de álcool são completamente evitáveis. Na prática, deixar de dirigir depois de beber deveria ser a escolha mais óbvia, pois significa obedecer ao bom senso, mas, como não tem sido assim, a lei está aí para que seja respeitada e para salvar vidas.

Cinthia Cardoso / Fotos: South_agency/getty images, PixelsEffect/getty images, sestovic/getty images

imagem do author
Colaborador

Cinthia Cardoso / Fotos: South_agency/getty images, PixelsEffect/getty images, sestovic/getty images