Ao participar hoje (26) pela manhã da Audiência Pública que marcou as comemorações e o debate do “Julho das Pretas”, em Ilhéus, a secretária estadual de Política das Mulheres (SPM), Julieta Palmeira, destacou o impacto que uma cultura machista traz para a mulher negra que, muitas vezes, significa atos de violência e até casos de feminicídio. “A violência atinge majoritariamente as mulheres negras, entrelaçadas pelo racismo”, assegura. A secretária defende que o município de Ilhéus tenha uma agenda de enfrentamento a violência contra as mulheres e que esta seja uma luta suprapartidária.
O “Julho das Pretas” é uma ação de incidência política e agenda conjunta e propositiva com organizações e movimento de mulheres negras do Brasil, voltada para o fortalecimento da ação política coletiva e autônoma das mulheres negras nas diversas esferas da sociedade. A ação foi criada em 2013, pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, e celebra o 25 de Julho, Dia Internacional da Mulher Negra Afro Latina Americana e Caribenha.
Em Ilhéus, a iniciativa foi conjunta dos vereadores Enilda Mendonça (PT) e Cláudio Magalhães (PCdoB). O Julho das Pretas traz temas relacionados à superação das desigualdades de gênero e raça, colocando a pauta e agenda política das mulheres negras em evidência. Neste ano o evento está trabalhando com o tema geral “Para o Brasil Genocida, Mulheres Negras apontam a Solução!”.
Desmonte de políticas públicas
A sociedade passa pela necessidade de um processo de reflexão sobre o momento nacional, com o desmonte de políticas públicas, que atingem, especialmente, negros pobres, da periferia. Por isso para superar a invisibilidade destas mulheres negras que sofrem é preciso estender bandeiras e promover lutas em defesa da causa, reforça a vereadora Marta Rodrigues, da Câmara Municipal de Salvador, que participou da audiência.
Para Daniele Costa, que também representou a SPM no evento, as relações de trabalho ainda escravizam os corpos negros. Para ela, é preciso incentivar a participação política organizada, participar e atuar no executivo. Mas destaca: não precisa ter uma mulher preta no processo de poder, se não houver também, interesse dela pelas transformações. “É preciso resistir e esperançar por estas lutas”, afirmou.
Cume da montanha
Uma das idealizadoras do Projeto “Mulher Negra, a força que se explica”, a professora e atriz Teresa Sá lembra que realizar eventos como o de hoje é um sinal de que “as nossas vozes começam a ganhar eco”. Pensamento compartilhado pela mãe-de-santo, Mãe Ilza Mukalê. “Estamos vencendo e vamos chegar ao cume desta montanha. Sou testemunha disso”, afirmou.
A cabelereira Mirety Di Biachio, coordenadora estadual do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros, disse que, pela primeira vez na história da Câmara de Vereadores local, uma trans é convidada a entrar no Parlamento Municipal para falar e expor opinião. “Vivemos o preconceito. Não conseguimos emprego em Ilhéus. E não é falta de preparo. É preconceito mesmo, temos os nossos direitos negligenciados”, afirmou.
Durante a audiência Mirety reivindicou a formação de um núcleo de atendimento especializado em saúde, para acompanhamento psicológico e clínicos. “A saúde representa o passo inicial para que tenhamos condições mínimas de vida”, justificou a reivindicação.
Infância sem racismo
Psicóloga social com atuação no Núcleo de Atendimento Psicossocial da Defensoria Pública do Estado da Bahia, Marisa Batista da Silva, lembra que todos os dias mulheres e crianças que sofrem pelo enfrentamento ao racismo são atendidas pela instituição. A Defensoria Pública estadual criou um programa intitulado “Infância sem racismo”, por conta da grande procura. Para a advogada Wanessa Gedeon, representante da OAB, infelizmente, o racismo está estruturado em toda a sociedade. “É preciso conhece-lo para combatermos”, reflete.
Formada em Ciências Sociais perla UESC, a conselheira tutelar Sheila Carvalho, levou para o debate o resultado de uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que aponta que, em 2018, a cada duas horas uma mulher brasileira foi assassinada. A grande maioria, negra. “Se nós não falarmos por nós, quem falará?”, pergunta. “Por isso é que digo: negro tem que ter nome e sobrenome, por que senão os brancos usam apelidos para dizer quem somos”, protestou.
Revolucionar
A militante Hélia Palma, representação da União Brasileira de Mulheres (UBM), promove uma luta diária, com participação em vários movimentos sociais. O objetivo é lutar contra a opressão, combate à violência e direitos à saúde. Doutora em Sociologia, a professora da UESC Flávia Alessandra, assegura que nenhuma pauta revolucionária pode se concretizar sem o protagonismo das mulheres negras. Mas ela considera fundamental que as pessoas brancas assumam o compromisso do desmonte do racismo. “Somos oriundos de um povo capaz de sorrir, mesmo estando de barriga vazia. Mas é importante lembrar que as balas perdidas elas sempre nos acham”, lamenta Cristiane Vilas Boas, presidente da Unegro em Ilhéus.
“É importante Ilhéus resgatar a sua história sob o ponto de vista dos pretos”, protesta a cordelista Janete Lainha, ex-presidente do Conselho Municipal de Cultura. “É preciso também destacar que não somos minorias. O preto representa 53 por cento da população brasileira. A mulher, 56 por cento. Portanto, o que nos falta é estimular a consciência do nosso papel na sociedade”, sentenciou a artista.
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