O General João Batista de Oliveira Figueiredo (1918-1999) assumiu a Presidência da República em 15 de março de 1979 com um desafio nada fácil: promover a anistia dos presos políticos, iniciar a abertura política e ampliar o número de partidos, de modo a restabelecer a democracia e devolver o poder aos civis, depois de 21 anos de ditadura militar.

Com uma economia cambaleante, inflação fora de controle e pressão pela volta das eleições diretas, ele precisava também administrar a chamada Linha Dura, formada por colegas radicais que defendiam a perpetuação dos militares no poder.

Mais de quatro décadas depois, o legado do último dos presidentes da ditadura militar começa a ser dimensionado com a biografia Me esqueçam: Figueiredo, a biografia de uma Presidência, do advogado e professor de pós-graduação da PUC-Rio Bernardo Braga Pasqualette, lançado pela Editora Record.

É uma obra extensa, com quase 800 páginas, e que surge como referência para estudiosos da política brasileira nos últimos 70 anos. O autor foca em fatos de relevância, alguns desconhecidos ou esquecidos do general que governou o País no ato final da ditadura militar e que deixou o poder pedindo para que o povo o esquecesse.

“O esquecimento pretendido por Figueiredo, entretanto, privaria o país da memória de um dos períodos mais controvertidos da vida política nacional – o capítulo final da ditadura militar”, afirma Pasqualette.

O biógrafo optou por focar seu livro entre 1979 e 1985, exatamente o período do governo, ao mesmo tempo em que tenta revelar a complexa personalidade do protagonista do ocaso do regime militar. Foram diversas fontes de pesquisa, inclusive de documentos da época e registros de processos judiciais.

Ao mesmo tempo, entrevistou dezenas de pessoas que conviveram de perto com o ex-presidente, como José Sarney, Delfim Netto, Fernando Henrique Cardoso, Ernane Galvêas, Carlos Langoni, Alfredo Karam e o jornalista Elio Gaspari, entre outros.

Entre erros e acertos, Figueiredo não teria mostrado pulso firme em relação ao frustrado atentado a bomba no Riocentro, em 1981, durante um show na véspera do Dia do Trabalho. Ficou claro, desde o início, o envolvimento de agentes da repressão para sabotar a abertura.

Os dois primeiros anos do governo Figueiredo foram marcados por atentados a bomba a entidades civis e incêndios a bancas de jornais. Para enfrentar esse cenário, em que desenhava uma aberta “lenta, gradual e segura”, ao mesmo tempo que sofria pressão de militares linha dura, ele criou um personagem nada simpático, truculento e grosseirão, embora historiadores garantam que esse era o seu jeito natural de ser.

A quem ia contra a abertura política, Figueiredo mandou um recado, com sua contumaz sutileza. “É para abrir mesmo. E quem quiser que não abra, eu prendo e arrebento.” Diante da pressão das ruas, avisou que preferia o cheiro dos cavalos – era apaixonado por hipismo – ao de gente. Teria, portanto, levado tudo no grito. Certa vez, disse com segurança: “Hei de fazer deste país novamente uma democracia”.

Ao longo de cinco anos, Pasqualette chegou a pontos reveladores, como a inclusão entre os anistiados do ex-governador gaúcho Leonel Brizola, uma ação que teria sido estratégica. O plano era desagregar a oposição, que se reorganizaria com a volta dos exilados.

Esperava-se que Brizola criasse seu próprio partido (o PDT), o que esvaziaria o PMDB, como aconteceu. O político não demorou a mostrar que não era mais o líder esquerdista disposto a pegar em armas dos anos 1960 e chegou a defender a prorrogação do mandato de Figueiredo, uma proposta esdrúxula que não vingou.

Um dos momentos mais tensos daquele governo aconteceu em 15 de setembro de 1984, a quatro meses da eleição indireta que escolheria um presidente civil – Tancredo Neves. Naquele dia, a cúpula militar levou a ele uma proposta de suspender a transição democrática, por meio da criação de um fato artificial que justificasse a não aceitação da escolha.

Sua furiosa reação, marcada por murros na mesa, assustou a todos. Aos gritos, disse que o resultado do Colégio Eleitoral só seria desprezado sobre o seu cadáver. “A incisiva resposta representou um ponto final às aventuras golpistas”, escreve o autor.

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