Iniciando as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, a prefeitura de Montevidéu inaugurou hoje (7), às 17h, a praça Las Pioneras, uma homenagem àquelas que lutaram para que todas pudessem exercer seus direitos civis e políticos plenamente.

Uma das homenageadas foi Juanita “Pochola” Silva, 83 anos, cabeleireira aposentada. Em 1962, ela foi a primeira diretora de uma “murga” no Uruguai. As murgas são grupos tradicionais do carnaval, que se fantasiam com roupas coloridas e maquiagens extravagantes e cantam músicas de temáticas políticas e sociais, normalmente satíricas. Até o dia de hoje, as murgas são compostas majoritariamente por homens.

“O meu irmão, desde que tinha 12 anos, participava das murgas. E eu sempre amei as murgas. Um dia eu estava com umas amigas, vizinhas, primas, escutando a murga do meu irmão e eu disse: tchê, e se fizermos uma murga? Então minha mãe me disse: vá à costureira fazer a roupa! E assim começou, eu me inscrevi, fizemos as letras com o meu irmão e eu saí, contentíssima”, contou Pochola.

Nas murgas, diferentemente do carnaval tradicional brasileiro, os grupos se apresentam nos tablados, que são teatros ao ar livre, onde o público fica sentado, assistindo as apresentações musicais. Para participar de uma murga é necessário fazer a inscrição na prefeitura da cidade.

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Juanita “Pochola” Silva apresenta sua murga em Montevidéu na década de 60 – Arquivo pessoal/Juanita

Expressão centenária

Juan Castel, gerente do Centro de Documentação e Investigação do Museu do Carnaval do Uruguai, explicou à Agência Brasil as características principais da murga.

“É um carnaval de cenário, a categoria mais popular e a mais representativa do Uruguai. Tem uma formação de 17 pessoas que cantam em coro, acompanhadas de uma banda de murga composta por bumbo, pratos e bateria. O coro apresenta uma cena que tem no máximo 45 minutos, com grande presença cênica, um jeito específico de cantar, com um timbre muito particular, muito forte. E o que a murga gera através de seu canto e de seus versos é criticar, fazer rir e emocionar, por isso mesmo está muito dentro do coração das pessoas e é tão representativa. A murga canta o que o povo quer escutar e critica os personagens do momento, os políticos. E tem sempre um toque nostálgico. Essa formação da murga tem uns 100, 110 anos de vida, e é uma das formas culturais mais forte do Uruguai”, explicou Juan.

Em relação ao vanguardismo de Pochola, Juan Castel explica que a murga historicamente foi um reduto masculino. sobretudo na primeira metade do século 1920, sempre foi um lugar de homens. Recentemente, nos últimos 10 anos, começou a ser mais habitual a aparição de mulheres cantando murgas. É uma mudança que está acontecendo. Historicamente, há uns poucos casos isolados de mulheres, mas o valor que tem Pochola Silva e sua murga Rumbo al Infierno (Rumo ao Inferno, em tradução livre), é que foi a primeira murga de mulheres que competiu no carnaval de Montevidéu, por isso tem essa importância. Numa época como na década de 60, quando era muito difícil a participação da mulher nesse tipo de manifestações, que aparecesse uma murga de mulheres era muito raro, realmente”.

“Pochola” Silva foi a diretora da murga Rumbo al Infierno, aos 26 anos de idade. Ela e suas companheiras saíram às ruas nos carnavais de 1962 a 1964.

Pochola conta que, apesar de ser algo novo àquela época, elas não sentiam que houvesse uma grande resistência da sociedade. “Preconceitos existiam, como em todos os lados, mas nunca nos ofenderam. Sempre desfrutamos muito. E havia muitos tablados para a gente se apresentar! Você pode imaginar a quantidade, pois era uma novidade naquela época! Aliás, segue sendo uma novidade até hoje”.

Praça Las Pioneras

Localizada na Avenida Agraciada, a nova praça surge a partir de um edital público feito em 2018 pela prefeitura da capital uruguaia. O projeto aprovado tinha como ideia promover, a partir da desconstrução de um edifício existente, um novo local de convivência, que reconhecesse e prestasse homenagens às mulheres pioneiras do país. O novo espaço se distingue das configurações tradicionais de uma praça, na tentativa de trazer novas maneiras de convívio social.

A partir das 17h, a praça receberá uma feira gastronômica. Haverá também oficina de circo para as crianças, além de atividades de artes plásticas, escrita e compostagem, entre outras.

Às 20h, será assinado um convênio entre a prefeitura de Montevidéu e a Assembleia de Coletivos Feministas. Em seguida, haverá um vídeo mapping, que consiste na projeção de vídeo em superfícies irregulares, como estruturas de grandes dimensões e fachadas de edifícios, realizado pela artista visual Cabe Trust, em homenagem às mulheres que inspiraram a luta feminista.

Depois, haverá shows com a participação da artista montevideana de hip hop, Eli Almic, além da DJ Fuega. Haverá também um espetáculo da murga Falta y Resto, uma das mais tradicionais do país, que prestará uma homenagem à Juanita “Pochola” Silva.