O plenário da Câmara Municipal de Salvador será palco de muitas polêmicas neste ano de 2021. Um dos assuntos pivôs dos embates entre os parlamentares será o mandato coletivo “Pretas Por Salvador”, que conta com as co-vereadoras Cleide Coutinho, Gleide Davis e Laina Crisóstomo, do PSOL.

A coletiva – que foi eleita em 2020 com 3.635 votos – tomou posse no último dia 1º, e já tem recebido críticas de outros vereadores da casa. Um dos críticos é o vereador Alexandre Aleluia (DEM), que afirma que não há respaldo no ordenamento jurídico para tal modalidade de mandato.

“É um absurdo completo. [O mandato coletivo] é contra o regimento da Câmara, que diz que quem toma posse são os vereadores. É inconstitucional. A Constituição Federal do Brasil é muito clara quando diz que um determinado número de habitantes tem direito a um vereador. Ou seja, a população de Salvador tem direito a 43 vereadores”, afirmou Aleluia ao Sociedade Online.

Em entrevista ao nosso site, a edil Laina Crisóstomo, dona do CPF registrado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA) para concorrer na eleição, explicou essa nova forma de composição parlamentar.

“O mandato coletivo é um tema em construção. São vários os conceitos que estão sendo pautados. A gente entende que mandato coletivo é a reunião de pessoas, que estão em localidades diversas para pensar a perspectiva da política de forma ampliada e diversa. Tem coisas que eu não tenho experiência, nem lugar de fala, vivência ou trajetória, mas as companheiras Cleide e Gleide podem ter”, afirmou.

Laina reconhece que o tema é polêmico, mas que o debate pode ajudar no processo de mudança na legislação eleitoral.

“O direito é mutável. Ele muda a cada dia porque a sociedade muda. Até pouco tempo atrás mulheres, pessoas negras, analfabetas e pessoas pobres não podiam votar. A ideia é que cada vez a gente consiga ampliar o direito, e isso só se dá quando a gente consegue ampliar o direito. Isso só se dá a partir do processo de desconstrução”, declarou a vereadora.

“Nosso mandato é coletivo de fato. As três tem o mesmo poder. Nós três estamos no patamar de igualdade. Nós três decidimos juntas. Nós três montamos o gabinete juntas”, completou.

O contraponto deste fato está nas implicações jurídicas que o mandato coletivo poderia provocar. O vereador Alexandre Aleluia questiona a quem seriam aplicadas as possíveis penas, caso um dos membros da coletiva infrinja alguma lei ou cometa alguma irregularidade.

“Se ela representa um bairro, como é que é? Agora o bairro tem direito a três [vereadoras] em um? Quando eu debato com a vereadora, estou debatendo com três? Então isso é um absurdo completo. Não dá para entender a parte eleitoral disso. Acima de tudo, precisamos entender também, que existe em qualquer mandato a parte penal. Se a vereadora comete um crime, quem vai pagar? O crime é algo intransmissível. Se uma pessoa comete qualquer crime, o indivíduo precisa pagar. De quem será a culpa? A culpa é de quem tem o cargo; é de uma pessoa só”, disparou Aleluia.

“Essa coisa de mandato coletivo é um absurdo completo contra o regimento, contra a constituição federal, contra a logica, contra a ética, contra a moral e contra a representatividade local. Você tem que se espelhar, o bom ou ruim, elogiar ou criticar apenas uma pessoa. Até hoje eu nem sei quem é a vereadora. Eu vi três pessoas e nem sei quem é. Eu vi três pessoas e não sei com quem eu tenho que debater. Ela pode ter seus assessores – pessoas que a ajudem em seu mandato – mas a constituição é clara ao determinar uma pessoa para determinada quantidade de habitantes”, completou.

Questão jurídica

O TRE-BA em cerimônia de diplomação no dia 17 de dezembro do ano passado, entregou pessoalmente o documento para as três integrantes da chapa coletiva. Mas esse ato foi meramente, simbólico, pois na questão legal, o ordenamento jurídico não reconhece o mandato coletivo como legítimo, pontua Jaime Barreiros, Analista Judiciário do TRE-BA e Vice-Diretor da Escola Judiciária Eleitoral da Bahia, em entrevista exclusiva ao nosso site.

“Simbolicamente o mandato coletivo representa uma nova faceta da democracia e uma nova forma de demonstração política. A Justiça Eleitoral é sempre simpática à novas perspectivas de ampliação da participação política. Agora, evidentemente, no plano legal não há previsão de existência de mandatos coletivos. Então, formalmente, temos uma vereadora eleita que politicamente se apresenta como mandato coletivo, mas legalmente, do ponto de vista formal e jurídico,  o mandato é dela [Laina  Crisóstomo] e não da equipe”.

Discurso das representantes do mandato coletivo no plenário

Jaime explica que as co-vereadoras poderão discursar em plenário, desde que a Câmara Municipal de Salvador, permita em seu regimento interno:  “Quanto as vereadoras discursarem em plenário é uma questão interna da Câmara de vereadores. A princípio, no campo formal, temos apernas uma vereadora. A possibilidade das outras duas, que formam essa chapa coletiva, virem a discursar no plenário da Câmara, é algo que deve ser deliberado pela Câmara de vereadores, por que no campo formal, jurídico e legal temos apenas uma vereadora e não três”.

Responsabilidade criminal

“Quem foi eleito foi uma única vereadora, e não as três. Então, em caso de crime quem responderia seria a vereadora titular do mandato. Ela quem responde por um crime de responsabilidade. Se ela, por algum motivo, renunciar ao mandato ou tiver o mandado cassado, não serão as outras integrantes da chapa coletiva que assumirão o mandato. Quem assumiria seria o suplente, que é o segundo candidato mais votado do PSOL”, concluiu.

ENTENDENDO MELHOR

Já pensou em votar em um grupo pessoas na próxima eleição? É mais ou menos que a candidatura coletiva propõe. Claro que não é possível haver um mandato de mais de uma pessoa oficialmente. Mas vários grupos se mobilizam em conjunto para ter mais representatividade da câmara. Dessa forma, na prática apenas uma pessoa assume, mas a campanha é feita de forma coletiva.

O que é candidatura coletiva?

Segundo as normas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não é possível se candidatar em grupo oficialmente. Apenas quem formalizar sua candidatura será eleito também e poderá exercer sua função politica na câmara.

Contudo, a candidatura coletiva acontece por meio das campanhas eleitorais, em que integrantes de um mesmo partido fazem um acordo e se mobilizam para conseguir votos coletivamente. E caso o representante seja eleito, todo o grupo terá participação, não oficial, nas discussões e debates políticos que permeiam na câmara.

O advogado de direito público e eleitoral, Mateus Braga, aponta que “muito se tem discutido sobre essa prática, que na realidade seria uma forma de descentralização da candidatura, possibilitando a participação de mais atores no cenário eleitoral.”. Além disso, ele explica que ainda não regulamentação desse tipo de candidatura, mas ela vem sendo muito discutida atualmente.

Como funciona o mandato coletivo?

Pela constituição brasileira a “legislação eleitoral trata a candidatura como um ato individual”. Portanto, o mandato nem a candidatura existem oficialmente. Mas o que os políticos fazem é um acordo informal entre si, em que um é eleito oficialmente representando todo o grupo. Contudo, as decisões politicas, definição de projetos de leis e votação são tomadas em conjunto pelo grupo. Mas uma pessoa da chapa coletiva é escolhida como porta-voz, que terá seu nome oficializado e poderá ser votado nas urnas. Mas o resto da equipe vai participar nos bastidores, nas discussões e debates políticos.

Cada grupo se divide e divide as tarefas a sua maneira. Por exemplo, no que diz respeito aos salários e como eles são divididos cabe a cada coletivo decidir. Já que oficialmente existe apenas um parlamentar em atuação.

Em São Paulo, a Bancada Ativista foi a primeira candidatura coletiva a se eleger, em 2018. Como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) admite tal participação somente quando representada nas urnas por um dos membros, indicou-se a jornalista Mônica Seixas (PSOL) para responder em nome de todos.

Segundo um estudo da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), as candidaturas desse modelo existem desde 1995. Há poucos mandatos coletivos no Brasil, atualmente são 20 no país todo. Mas esse número pode aumentar, na capital paulista já existe a pré-candidatura de 34 coletivos para vereador em 2020.

Candidatura coletiva gera mais representatividade?

Integrantes de candidatura coletiva
Nayara Souza, Carine Vitral, Camilla Lima e Claudia Rodrigues. Integrantes de candidatura coletiva correndo em São Paulo pelo PCdoB. (Foto: Karla Boughoff/Divulgação)

Os grupos que se candidatam coletivamente veem uma oportunidade de ter mais espaço para mais pessoas dentro da câmara. A ex-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Carina Vitral (PCdoB) vê como positivo estar em uma pré-candidatura com outras três mulheres: “São quatro biografias, que são mais diversas que uma só”. “Você trabalha a potencialidade de agenda, de articulações que cada uma tem. Na prática, você tem quatro campanhas. Você tem mais gente se dedicando àquele projeto com afinco”, diz Carina, que terá uma experiência coletiva na “Bancada Feminista” ela conta entrevista à UOL.

Segundo o advogado Braga, a candidatura coletiva não é tão necessária, pois o sistema eleitoral brasileiro é representativo. “Creio que será apenas um modelo diferente, uma vez que o sistema eleitoral já possibilita a participação de quem tiver interesse em se candidatar, escolhendo o partido que melhor se adapta às suas crenças políticas.”, ele afirma. Contudo, ele acredita que quanto maior a participação popular melhor, “temos alguns modelos de mandatos com participação direta dos eleitores nas votações dos vereadores que adotam esse sistema, como por exemplo a utilização de aplicativos para saber a opinião do eleitorado nas respectivas pautas”

PEC para aprovar o mandato coletivo

A PEC 379/17 é um projeto emenda constitucional que visa legitimar os mandatos coletivos. Contudo, ela está parada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) desde 2017. Segundo Braga é preciso mais estudos e debates antes do projeto ir para votação. Mas quem está ligado à candidaturas coletivas espera que a emenda possa ir para frente e seja aprovada em breve para ampliar suas participações no ambiente politico.