Em outro texto, analisei o entendimento jurisprudencial acerca da execução provisória das penas restritivas de direitos (leia aqui). Agora, iniciaremos outro debate sobre a execução provisória da pena.
Como é sabido, esse é um dos atuais problemas do Direito Processual Penal brasileiro, sobretudo para os Advogados Criminalistas, que precisam alertar os seus clientes quanto à possibilidade real de que sejam presos após o esgotamento da segunda instância, ainda que pendente recurso no STJ ou STF.
Atualmente, prepondera a incerteza sobre o tema, o que também promove a descrença da população no Poder Judiciário e traz insegurança jurídica para quem atua na prática forense.
Aqui, tentarei pontuar algumas questões que merecem reflexão quando pensamos na prisão em segunda instância e no seu confronto com o princípio da presunção de inocência.
De início, deve-se observar que o art. 5º, LVII, da Constituição Federal, dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Logo, se houver um recurso disponível – ausência de trânsito em julgado – deve(ria) imperar o princípio da presunção de inocência, não sendo admissível dar início a algo – a pena – que somente poderia ser imposta a um culpado.
Além disso, como permitir a execução provisória de uma pena que restringe a liberdade de alguém em um país no qual a tramitação processual é tão lenta?
Nesse momento, é normal que alguém diga que, com o esgotamento da segunda instância, não é mais possível analisar provas e fatos, isto é, o STJ e o STF não analisam novamente o conjunto probatório.
Apesar disso, urge salientar que os Tribunais Superiores decidem sobre Direito. Assim, o STF e o STJ ainda poderiam acolher alguma tese jurídica, como a aplicação do princípio da insignificância. Também podem alterar a dosimetria da pena, reduzindo-a a um patamar que produzirá a prescrição.
Novamente, talvez alguém diga que a aplicação de teses jurídicas – sem análise de fatos – pelos Tribunais Superiores não é tão comum, da mesma forma que não é tão frequente uma redução drástica da pena que poderia ter alguma importância para a prescrição.
Pois bem. Basta que exista a possibilidade de que uma pessoa sofra com a execução provisória da pena e, em seguida, seja absolvida ou tenha a prescrição reconhecida. Nesse caso, os precedentes dos Tribunais Superiores demonstram que em várias oportunidades ocorreram reformas de decisões dos Tribunais de segunda instância.
Ademais, ao lado da presunção de inocência constitucionalmente prevista, temos a previsão do art. 283 do Código de Processo Penal:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Observa-se que não há previsão de prisão automática após o esgotamento da segunda instância, mas apenas em caso de flagrante delito, prisão cautelar ou prisão como decorrência de sentença condenatória transitada em julgado (pena).
O que vem ocorrendo é uma flagrante violação ao direito à liberdade e à presunção de inocência, ao ser permitida, de forma indefinida (os recursos aos Tribunais Superiores nem sempre respeitam a duração razoável do processo), a prisão após a segunda instância. A prisão antes do trânsito em julgado, na sua forma cautelar, deveria ser utilizada apenas excepcionalmente.
Infelizmente, o STF vem entendendo que não há violação ao princípio da presunção de inocência em caso de execução provisória de acórdão proferido no segundo grau:
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado. (STJ, Tribunal Pleno, HC 126292, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016)
O saudoso Min. Teori Zavascki, relator desse conhecido precedente, fundamentou sua decisão no fato de que as instâncias ordinárias exaurem a possibilidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse aspecto, a fixação da responsabilidade criminal do acusado. Ocorre que, como já mencionado, ainda é possível que o acusado seja absolvido nos Tribunais Superiores ou deixe de cumprir a pena em razão da prescrição decorrente de eventual redução da pena.
Evinis Talon é Advogado Criminalista, consultor e parecerista em Direito Penal e Processo Penal (clique aqui), professor de cursos de pós-graduação, Mestre em Direito, especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de livros e artigos e palestrante.
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