condenação do Lula, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro aconteceu em 2017. A decisão em primeiro grau de jurisdição foi feita pelo juiz Sérgio Moro, encarregado de julgar casos da Operação Lava Jato, que condenou-o a nove anos e meio de reclusão. A defesa do ex-presidente recorreu à segunda instância do Judiciário, no Tribunal Regional Federal 4, em Porto Alegre. Os desembargadores negaram o recurso de Lula e, inclusive, aumentaram seu tempo de prisão para 12 anos. Por conta dessa decisão e da negação de seu pedido de habeas corpus no STF, Lula foi condenado à prisão e se entregou à Polícia Federal no dia 07 de abril de 2018.

O caso chamou a atenção do país inteiro. Afinal, apesar de confirmada a condenação e do aumento da pena pelos desembargadores em janeiro deste ano, a Constituição diz que a prisão só deve ser feita após a última instância. No entanto, esse entendimento vai e volta no STF. Qual é o debate sobre prisão em segunda instância?

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o réu só podia ser preso após o trânsito em julgado, ou seja, depois do recurso a todas as instâncias. Antes do esgotamento de recursos, ele poderia no máximo ser condenado à prisão preventiva. Já em fevereiro de 2016, o Supremo decidiu que um réu condenado em segunda instância já pode começar a cumprir sua pena – ou seja, pode parar na cadeia mesmo enquanto recorre aos tribunais superiores. Naquele momento, a regra foi aplicada ao caso de um réu específico. No mesmo ano, o STF reafirmou a decisão, que passa a ter validade para todos os casos no Brasil.

Algumas questões que ficam são: quais as implicações dessa decisão? Ela ajuda ou piora o trabalho do Judiciário? Ela viola direitos humanos do acusado? Vamos ver argumentos contrários e favoráveis a essa medida.

 PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA: ARGUMENTOS A FAVOR

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Réus protelam condenação com recursos

Os recursos aos tribunais superiores, como o STF e o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), não têm como objetivo julgar o mérito individual de cada caso. Já vimos em post sobre o STF que esse tribunal trabalha para resolver eventuais controvérsias jurídicas que surgem em processos na justiça comum, à luz do que diz a Constituição Federal. Ou seja, o objetivo principal é proteger os princípios constitucionais. Isso pode apenas indiretamente beneficiar um ou mais réus.

Assim, os ministros que votaram a favor da prisão após a condenação em segunda instância – foram seis dos onze magistrados – consideraram que o recurso a instâncias superiores tornou-se uma forma de protelar ao máximo a decisão final. É para evitar esse quadro que a prisão logo após a segunda instância seria mais justa. O ministro Luiz Fux, por exemplo, afirmou que as decisões são postergadas por “recursos aventureiros” e que o direito da sociedade de ver aplicada a ordem penal está sendo esquecido.

 Casos de impunidade pela prisão após trânsito em julgado

O ministro Luís Roberto Barroso mencionou várias situações em que o réu foi condenado em segunda instância e passou vários anos em liberdade ou até mesmo não chegou a ser preso. Foi o caso do jornalista Antônio Pimenta Neves que assassinou a namorada, Sandra Gomide, pelas costas e por motivo fútil. Passaram-se quase onze anos até que fosse preso.

O ex-senador Luís Estevão foi condenado em 1992 por desviar R$ 169 milhões de uma obra. Depois de apresentar mais de 30 recursos aos tribunais superiores, o processo contra ele se arrastou por vinte e quatro anos. Apenas em 2016 saiu o trânsito em julgado e o ex-parlamentar foi parar na prisão.

Condenado por atropelar e matar três pessoas dirigindo em alta velocidade na Lagoa Rodrigo de Freitas, o ex-jogador Edmundo não passou nenhuma noite na cadeia. A pena saiu em 1999, mas após 21 recursos apresentados ao longo dos doze anos seguintes, o crime prescreveu.

Em todos esses casos a condenação em segunda instância evitaria a impunidade ou a postergação do cumprimento das penas.

Modelo adotado em outros países

O modelo de prisão antes do trânsito em julgado, como lembra o advogado André Schmidt Jannis, não é exclusivo do Brasil. Entre os países que o adotam estão Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina.

ARGUMENTOS CONTRA A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA

Presunção de inocência

O principal argumento dos cinco ministros contrários à prisão em segunda instância é que a Constituição de 1988 liga presunção de inocência ao trânsito em julgado. Presunção de inocência significa que ninguém será considerado culpado até prova em contrário. Portanto, o processo judicial deveria se esgotar antes da prisão do réu. Esse é um direito constitucional que, segundo alguns, estaria sendo desrespeitado pelo novo entendimento do STF.

Em fevereiro, o ministro Marco Aurélio de Mello afirmou que ela não é compatível com a Constituição. Esta tem caráter garantista, ou seja, de garantir os direitos mais fundamentais aos seus cidadãos. Entre outras coisas, o ministro disse que: “tenho dúvidas […] se mantido esse rumo quanto à leitura dessa carta [a Constituição] pelo Supremo Tribunal Federal, ela poderá continuar a ser tida como uma carta cidadã.” 

Como também lembrou o advogado André Schmidt Jannis, o ministro Ricardo Lewandowski trouxe ao julgamento mais recente o dado de que um terço dos pedidos de habeas corpus de condenados em segunda instância que chegam ao Superior Tribunal de Justiça tem suas penas revistas. Esse volume revelaria a importância dos recursos aos tribunais superiores, que corrigem penas injustas. Jannis também apontou que tribunais costumam tomar decisões divergentes entre si: “Alguém pode ser condenado em segunda instância por uma conduta em Santa Catarina enquanto outra pessoa pode ser absolvida pela mesma conduta no Paraná, e pior ainda, pode ser condenado em segunda instância por Tribunal Estadual ou Regional Federal e ser inocentada por um tribunal superior depois”.

 Pressão no sistema carcerário

Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado

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Em fevereiro, um dos ministros que se manifestou contrário à medida, Ricardo Lewandowski, lembrou que o sistema carcerário brasileiro encontra-se em estado lastimável e que as condenações em segunda instância poderiam agravar ainda mais essa situação. De fato, temos mais de 726 mil presos no país. É a terceira maior população carcerária do mundo. Segundo dados de 2014 do Infopen (Levantamento Nacional de , Informações Penitenciárias) mesmo com o número de vagas triplicando de 2000 a 2014, o déficit do sistema prisional dobrou. E a situação só se agrava: as prisões brasileiras receberam 40 mil presos em apenas um ano.

O advogado André Schmidt Jannis também destacou a baixa capacidade do sistema penitenciário de ressocializar os presos e que a condenação em segunda instância pode gerar mais problemas ao potencialmente colocar mais inocentes nas prisões.

Os demais ministros que votaram contra a prisão em segunda instância foram Rosa Weber, Celso de Mello e Dias Toffoli. Toffoli foi o único ministro que mudou de entendimento em relação a fevereiro de 2016.

 QUAIS SÃO OS IMPACTOS DA DECISÃO PARA POLÍTICOS?

A prisão após condenação em segunda instância poderá ser aplicada a políticos que não ocupam mais cargos com foro privilegiado. É o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, réu em processos na Justiça Federal. Já políticos com foro privilegiado – presidente, deputados, senadores e ministros – não são impactados pela decisão do STF, pelo menos enquanto se mantiverem nesses cargos. Processos contra eles são julgados diretamente pelo STF, sem passar antes pela justiça comum. Já Lula, sem acesso a esse foro especial, ainda pode recorrer no próprio Tribunal Regional Federal que lidou com seu caso na segunda instância. Depois disso, a defesa pode recorrer nas cortes superiores como o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal). Assim, o processo pode se prolongar por meses antes de efetivarem qualquer prisão do ex-presidente.

Uma medida de combate à impunidade e abusos do sistema de recursos ou uma violação de direitos fundamentais dos indivíduos: o que você acha da prisão após condenação em segunda instância?