As emendas feitas ao Orçamento Geral da União, denominado de Lei Orçamentária Anual (LOA) – enviada pelo Executivo ao Congresso anualmente –, são propostas por meio das quais os parlamentares podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato, tanto junto aos estados e municípios quanto a instituições. Tais emendas podem acrescentar, suprimir ou modificar determinados itens (rubricas) do projeto de lei orçamentária enviado pelo Executivo.


Existem quatro tipos de emendas feitas ao orçamento: individual, de bancada, de comissão e da relatoria. As emendas individuais são de autoria de cada senador ou deputado. As de bancada são emendas coletivas, de autoria das bancadas estaduais ou regionais. Emendas apresentadas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado são também coletivas, bem como as propostas pelas Mesas Diretoras das duas Casas.

As emendas do relator são feitas pelo deputado ou senador que, naquele determinado ano, foi escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento – o chamado relatório geral. Há ainda as emendas dos relatores setoriais, destacados para dar parecer sobre assuntos específicos divididos em dez áreas temáticas do orçamento¹. Todas as emendas são submetidas à votação da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO).

Existem emendas feitas às receitas e às despesas orçamentárias. As primeiras têm por finalidade alterar a estimativa de arrecadação, podendo inclusive propor a sua redução. As emendas à despesa são classificadas como de remanejamento, apropriação ou de cancelamento.

As emendas de remanejamento são as que acrescentam ou incluem dotações e, simultaneamente, como fonte exclusiva de recursos, anulam dotações equivalentes, excetuando as reservas de contingência. Tais emendas só podem ser aprovadas com a anulação das dotações indicadas, observada a compatibilidade das fontes de recursos.

Já as emendas de apropriação são que acrescentam ou incluem dotações e, simultaneamente, como fonte de recursos, anulam valor equivalente proveniente de outras dotações e de verbas da chamada Reserva de Recursos. As emendas de cancelamento propõem, exclusivamente, a redução de dotações orçamentárias.

As emendas ao Orçamento são subordinadas a normas rígidas quanto ao seu conteúdo e objetivos, estabelecidas pela Constituição, pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF-Lei Complementar 101/00) e Lei 4.320/64, que dispõe sobre normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. As emendas são também objeto de regulação feita por resoluções do Congresso Nacional.

A emenda ao orçamento que propõe acréscimo ou inclusão de dotações só poderá ser aprovada se estiver compatível com o Plano Plurianual (PPA) e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Deverá também indicar os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesas, excluídas as que incidem em: dotações de pessoal e seus encargos, serviço da dívida, e transferências tributárias constitucionais para estados, municípios e o Distrito Federal. A emenda também não pode ser constituída de várias ações – que devem ser objeto de emendas distintas – nem contrariar normas regimentais adotadas pela CMO.

Número de emendas

De acordo com a Resolução 1/06 do Congresso Nacional, cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas individuais, no valor total definido pelo parecer preliminar do relator. Há também regras específicas sobre a apresentação de tais emendas, como, por exemplo, identificar entidade beneficiária que receberá os recursos, com endereço e nome dos responsáveis pela sua direção, bem como as metas que essa entidade deverá cumprir, demonstrando sua compatibilidade com o valor da verba fixada na emenda.


As comissões permanentes do Senado e da Câmara podem apresentar entre quatro e oito emendas, dependendo de suas especificidades com relação às áreas temáticas do orçamento. No caso do Senado, nove do total de 11 comissões, incluindo a Mesa Diretora, podem apresentar até oito emendas. Somente as Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) é que podem apresentar até seis emendas.


Na Câmara, do total de 21 comissões técnicas, incluindo a Mesa Diretora, 14 delas podem apresentar até oito emendas, cinco comissões podem oferecer até seis emendas e uma deve apresentar até quatro emendas. Somente a Comissão de Legislação Participativa da Câmara não tem direito a apresentar qualquer emenda ao orçamento.
Essas emendas serão incorporadas ou não ao texto final do Orçamento aprovado pelo Congresso, conforme apreciação dos parlamentares que pertencem à CMO. Depois de aprovado na CMO e em sessão plenária conjunta do Congresso, o Orçamento é enviado novamente ao Executivo, para ser sancionado pelo presidente da República, transformando-se, portanto, na LOA.

A LOA estima as receitas e autoriza as despesas do Governo de acordo com a previsão de arrecadação, mas está atrelada a um esquema de planejamento público das ações que serão realizadas durante o ano. A necessidade de contenção das despesas, aliada aos interesses do Executivo, podem resultar no chamado contingenciamento de determinados gastos. Quando o Executivo decreta o contingenciamento, impõe limites para as despesas abaixo dos que foram autorizados pelo Congresso. O contingenciamento bloqueia, portanto, as dotações orçamentárias, podendo, nesses casos, impedir que emendas aprovadas no Congresso sejam efetivadas.
Se durante o exercício financeiro houver necessidade de realização de despesas acima do limite que está previsto na LOA, o Executivo submete ao Congresso um projeto de lei solicitando crédito adicional ou especial para órgãos públicos e ministérios.

As áreas temáticas são as seguintes: infraestrutura; saúde; integração nacional e meio ambiente; educação, cultura, ciência e tecnologia e esporte; planejamento e desenvolvimento urbano; fazenda, desenvolvimento e turismo; justiça e defesa; poderes do Estado e representação; agricultura e desenvolvimento agrário; e trabalho, previdência e assistência social.

Helena Daltro Pontual

Fonte: Agência Senado

 

SUBSÍDIO IMPRENSA NET

Afinal, o que é orçamento secreto e por que aconteceram primeiras prisões

Mecanismo criado sob Bolsonaro distribui verbas de modo a garantir apoio de parlamentares ao governo

Bruno Lupion Deutsche Welle
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Orçamento secreto foi criado em 2020, no segundo ano do governo Jair Bolsonaro (PL) – AFP

O segundo turno da campanha ao Palácio do Planalto reavivou o debate sobre o orçamento secreto, um mecanismo de transferência de recursos públicos para atender a interesses de parlamentares criado em 2020, no segundo ano do governo Jair Bolsonaro (PL).

Nas últimas semanas, apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vêm tentando vincular o orçamento secreto a escândalos de corrupção e a compra de apoio político.

Na sexta-feira (14/10), um fato novo reforçou essa narrativa da campanha petista: ocorreram as primeiras prisões em uma operação da Polícia Federal (PF) ligadas a desvios de verbas do orçamento secreto.

Simone Tebet, candidata derrotada do MDB a presidente, que agora apoia Lula, disse em uma entrevista em agosto que o orçamento secreto poderia ser o “maior esquema de corrupção do planeta Terra”. O trecho dessa declaração foi republicado na primeira semana de outubro e viralizou em redes sociais.

O orçamento secreto foi revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo em maio de 2021, mas não havia mobilizado tanto a atenção do público como agora. As buscas pelo termo no Google atingiram seu pico depois do vídeo de Tebet viralizar. Entenda do que se trata.

O que é o orçamento secreto

É uma maneira de o governo e o comando da Câmara e do Senado distribuírem verbas públicas para atender interesses dos deputados e senadores que os apoiam.

As autorizações para destinar essas verbas são incluídas no Orçamento depois de ele já ter sido aprovado, por meio das emendas parlamentares.

Há quatro tipos de emendas: as individuais (indicadas por um congressista específico), de bancada (atendem às bancadas de cada unidade da Federação), de comissão (solicitadas por esses órgãos colegiados do Congresso) e de relator.

As usadas no orçamento secreto são as emendas de relator, sob o código RP9. Elas são incluídas pelo relator-geral do Orçamento, um parlamentar escolhido a cada ano para ser o responsável pela redação final do texto.

As emendas de relator costumavam ser usadas apenas para fazer pequenas correções no Orçamento. Em 2020, uma nova regra mudou isso.

Essas emendas passaram a destinar bilhões de reais para obras, compras de veículos e diversos outros gastos, sem transparência e às vezes ligados a indícios de corrupção.

A nova regra foi criada para assegurar apoio dos parlamentares do Centrão a Bolsonaro.

Por que ele se chama secreto

A mídia batizou o mecanismo dessa forma porque é impossível identificar em alguns casos qual deputado ou senador é o responsável pela criação da emenda. No começo, também era muito difícil identificar o destino do dinheiro.

Quando ele veio à tona, funcionava assim: o relator-geral incluía no Orçamento uma emenda genérica destinando verbas extras a um órgão do governo – para o Ministério do Desenvolvimento Regional, por exemplo.

Em seguida, os parlamentares que tinham acordos com o governo ou com o comando da Câmara e do Senado enviavam ofícios – não disponíveis ao público – ao respectivo órgão, pedindo a transferência de verbas da sua “quota” para, por exemplo, asfaltar vias de trânsito ou comprar tratores. O dinheiro era então repassado.

As primeiras reportagens sobre o orçamento secreto identificaram suspeitas de compras superfaturadas de máquinas e equipamentos agrícolas com essas verbas.

Ao longo de 2021, ações questionaram o orçamento secreto junto ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal de Contas da União. No final daquele ano, uma nova regra passou a exigir a indicação do nome da pessoa que havia solicitado a emenda, como um deputado ou um senador.

Porém, essa regra deixou uma brecha para manter em segredo o parlamentar interessado. Ela permitiu que um “usuário externo”, ou seja, qualquer pessoa, fosse incluída como a interessada na emenda, escondendo o padrinho político.

A figura do “usuário externo” passou a ser muito utilizada para destinar as emendas de relator. No primeiro semestre deste ano, essa estratégia respondia por um terço do total das emendas de relator negociadas, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo.

Na última sexta-feira (14/10), foram realizadas as primeiras prisões em uma operação da Polícia Federal (PF) sobre o orçamento secreto. O esquema, revelado pela revista Piauí, envolve o registro de consultas e procedimentos médicos falsos no Sistema Único de Saúde (SUS) para justificar o recebimento de verbas do orçamento secreto em pequenas cidades no Maranhão e no Piauí.

Uma das pessoas presas foi Roberto Rodrigues de Lima, ele mesmo um “usuário externo”. Em seu nome, havia R$ 69 milhões em emendas do orçamento secreto – sem que estivesse claro qual era o parlamentar interessado.

A PF já havia realizado outras operações para apurar desvios ligados ao orçamento secreto em verbas destinadas para educação e saúde em Rio Largo (AL) e para obras de pavimentação em cidades do Maranhão. Há outras investigações em andamento.

Qual é o envolvimento de Bolsonaro no orçamento secreto

Bolsonaro foi eleito em 2018 com um discurso de que não repetiria as práticas adotadas por presidentes anteriores para construir e manter coalizões governamentais no Congresso, o que ele chamava de “velha política”.

Ao assumir o poder, porém, ele percebeu que seria difícil governar só com o respaldo de seus eleitores, sem negociar apoios de deputados e senadores. Em 2019, ele teve uma taxa de sucesso legislativo no Congresso de 31%, a menor desde a redemocratização, segundo levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB). A taxa mede o êxito do governo na transformação dos projetos de sua autoria em norma jurídica.

Para reverter esse cenário, Bolsonaro começou a abrir espaço no governo a políticos do Centrão e deu aval à criação da nova regra para as emendas de relator, que resultou no orçamento secreto.

Ao fazer isso, Bolsonaro garantiu apoio do Congresso ao seu governo e proteção contra um eventual processo de impeachment. Por outro lado, abriu mão do poder de decidir o destino de uma parte relevante das verbas públicas disponíveis.

Os maiores beneficiários das emendas de relator são integrantes da base de apoio a Bolsonaro no Congresso. Um levantamento da revista Piauí apontou que integrantes do PL, Republicanos, PTB, União Brasil, PSC, PP e Patriota, que apoiam o governo, receberam R$ 6,2 bilhões em emendas de relator.

Esses parlamentares, por sua vez, capitalizam politicamente a destinação dessas verbas em suas campanhas eleitorais e no apoio aos seus candidatos, como ao próprio Bolsonaro.

A Transparência Internacional Brasil, organização que atua para defender o combate à corrupção, considera que o orçamento secreto é o maior processo de “institucionalização da corrupção” de que se tem registro no Brasil.

“O que a gente chama de institucionalização da corrupção é uma forma de dar um verniz legal, institucional, a uma prática absolutamente corrupta na sua essência, que é a apropriação do erário público para interesses privados, sejam eles políticos, de reprodução de poder, ou pecuniários mesmo, interesses materiais”, afirmou o diretor executivo da organização, Bruno Brandão, à BBC Brasil.

Quando é questionado sobre o motivo de ter autorizado o orçamento secreto, Bolsonaro costuma responder que vetou a regra em novembro de 2019, mas que o veto teria sido posteriormente derrubado pelo Congresso.

Contudo, foi o próprio governo que, em dezembro de 2019, enviou uma mensagem ao Congresso dando aval para a nova regra das emendas de relator entrar em vigor a partir do ano seguinte.

Qual é o valor do orçamento secreto

Em 2020, primeiro ano do orçamento secreto, as emendas de relator tiveram R$ 13,1 bilhões em valores aprovados. No ano seguinte, a cifra foi para R$ 17,14 bilhões. Neste ano, são R$ 16 bilhões, segundo o OLB. Nesses três anos, a soma de valores autorizados chega a R$ 46,2 bilhões.

Desde o início do orçamento secreto, seu montante superou em muito o destinado a emendas individuais e de bancada, que eram as mais usadas até então para atender pedidos dos deputados e senadores.

Em 2022, o valor aprovado para as emendas de relator foi 50% maior do que o das emendas individuais, e o triplo do das emendas de bancada.

Com tanto dinheiro a mais indo para o orçamento secreto, o volume de recursos disponível para o governo definir prioridades e decidir livremente onde gastar diminuiu. Para manter esse mecanismo, o governo teve de cortar verbas de outras políticas públicas, como da Farmácia Popular.

Em 2019, as emendas parlamentares representavam 5,4% do gasto com despesas discricionárias do governo. Neste ano, elas são 24% do valor aprovado para essas despesas.

Na prática, isso significa que cada vez mais são os deputados e senadores que decidem para onde irão as verbas, com menos transparência e coordenação de prioridades.

Lula defende acabar com o orçamento secreto. Mas, caso seja eleito, será difícil convencer a maioria dos deputados e senadores da próxima Legislatura a mudar essa regra.

Há também uma ação para ser julgada no Supremo Tribunal Federal que pode restringir a prática.

Como o orçamento secreto entrou na campanha

O mecanismo tem sido um dos pontos explorados pela oposição ao governo na campanha presidencial.

No final de agosto, em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, Lula rebateu uma pergunta sobre escândalos de corrupção em seu governo comparando o orçamento secreto ao mensalão, sugerindo que o atual esquema seria muito pior.

“Você acha que o mensalão, de que tanto se falou, é mais grave que o orçamento secreto?”, disse Lula.

O mensalão foi um esquema de compra de apoio no Congresso no primeiro governo Lula, denunciado em 2005, que usava recursos de empresas que tinham contratos com o poder público, e resultou na condenação de políticos importantes e empresários pelo Supremo Tribunal Federal. O Ministério Público identificou desvios de pelo menos R$ 101 milhões no esquema.

Na primeira semana de outubro, após o primeiro turno, o orçamento secreto voltou com força à campanha. Um dos motivos foi o vídeo de Tebet afirmando que as emendas do relator poderiam se relevar o “maior esquema de corrupção do planeta Terra”.

Após esse vídeo circular nas redes sociais, as menções ao orçamento cresceram 510% em relação à semana anterior, segundo um levantamento da Qaest divulgado pelo jornal O Globo.

Na mesma semana em que o vídeo de Tebet viralizou, o influenciador Felipe Neto, que tem 15 milhões de seguidores no Twitter e apoia a campanha de Lula, também havia sugerido aos seus seguidores que parassem de usar o termo “orçamento secreto” e passassem a citar o mecanismo como “esquema de propina do Bolsonaro pra comprar políticos”.

De acordo com a Constituição brasileira, as emendas parlamentares são um instrumento do Congresso Nacional para participar da elaboração do orçamento anual. Os deputados e senadores têm, nesse caso, a oportunidade de indicar ao Executivo demandas de comunidades que representam. Atualmente, as emendas dividem-se em quatro tipos:

  • Individuais (RP6) – verba destinada individualmente a parlamentares, com caráter impositivo desde 2015 (ou seja, cada parlamentar decide onde alocar o dinheiro e essa emenda é obrigatória, precisa necessariamente estar no orçamento);
  • De bancada (RP7) – verba destinada às bancadas estaduais, com caráter impositivo desde 2019 (ou seja, emendas coletivas, elaboradas por deputados do mesmo estado ou região. Também obrigatória);
  • De comissão (RP8) – verba destinada às comissões temáticas do Congresso. Não são impositivas (ou seja, emendas coletivas de comissões permanentes da Câmara ou do Senado. Não é obrigatória).
  • De relator (RP9) – emenda que permite ao relator-geral do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) alterar ou incluir despesas. Criada em 2019 e não é obrigatória.

A emenda de relator se diferencia das demais porque é definida pelo deputado ou senador escolhido como relator-geral do Orçamento a cada ano. Além disso, ao contrário das outras, não há critério definido quanto ao destino do dinheiro, o que dificulta a fiscalização sobre a execução da verba.

A manobra leva o apelido “secreto” porque não existem regras estabelecidas para a destinação dessas verbas e, conforme explica esta reportagem do UOL, não há transparência para acompanhar para qual área a emenda do relator está sendo destinada, e isso faz com que a fiscalização seja dificultada. Além disso, ao contrário do que ocorre com as emendas parlamentares impositivas – aquelas que todos recebem igualmente, sem distinção de quem compõe a base ou a oposição –, segundo o Estadão, no orçamento secreto não é possível saber qual parlamentar indicou o valor, já que a informação não é pública.

Após esta série de escândalos, em novembro de 2021, Rosa Weber, ministra do STF, determinou a divulgação do processo de definição e a execução das emendas de relator nos orçamentos de 2020 e 2021. Além disso, mandou que fossem registradas, em plataforma eletrônica, todas as demandas parlamentares voltadas à distribuição desse tipo de emenda.

No fim do ano passado, o Supremo liberou o pagamento das emendas, depois que o Congresso aprovou novas regras de transparência, e deu prazo de 90 dias para que o sistema de monitoramento (com individualização, detalhamento e motivação das indicações) fosse instituído.

Após Weber negar o pedido de prorrogação de prazo para a implementação das medidas de transparência, o Congresso encaminhou, em maio deste ano, informações sem padronização e incompletas sobre o orçamento secreto.

A justificativa foi de que os relatores dos orçamentos anteriores, deputado Domingos Neto (PSD-CE) e senador Márcio Bittar (União-AC), tiveram dificuldades de reunir os dados, já que não havia obrigação legal para isso à época. Por isso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), solicitou de forma genérica a todos os deputados e senadores que sinalizassem quais emendas de relator haviam sido apoiadas por cada um.

Cada parlamentar respondeu de uma forma. Alguns não detalharam os valores das emendas, nem os estados e municípios beneficiados. Três em cada 10 sequer responderam o ofício.

Início, veto e sanção

O orçamento secreto iniciou-se dentro do Palácio do Planalto, no gabinete de Luiz Eduardo Ramos, o então ministro da Secretaria de Governo. À época, como já abordado por uma checagem do Comprova, Ramos era o responsável por fazer a ponte entre o governo e o Congresso.

Para viabilizar a proposta, o ministro resgatou um dispositivo incluído pelo Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas que havia sido vetado por Bolsonaro três semanas antes. Em 3 de dezembro de 2019, o ministro assinou o documento que criou a emenda chamada RP9. A nova lei, que alterou a 13.898, de 11 de novembro de 2019, foi sancionada pelo presidente da República em 18 de dezembro.

Ao contrário do que alegou no primeiro debate presidencial do dia 28 de agosto, realizado pela Band, portanto, Bolsonaro não vetou o orçamento secreto. Conforme explicou o Estadão, o esquema foi criado por um projeto assinado pelo próprio presidente.

O que aconteceu foi uma tentativa do Congresso de viabilizar o orçamento secreto por meio da LDO de 2020 e esta, de fato, foi vetada pelo mandatário da República. No entanto, o presidente recuou da decisão e mandou ao Congresso um texto próprio sobre a emenda.

Descoberta da prática

Ainda de acordo com verificação recente do Comprova, a adoção da emenda do relator como prática no Congresso em troca de apoio político foi divulgada inicialmente pelo Estadão, após investigação dos jornalistas Breno Pires e Patrik Camporez. Em uma thread publicada no Twitter, Pires contou detalhes da apuração, iniciada em dezembro de 2020.

Segundo ele, relatos da compra de apoio para a eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara foram o “marco zero” da investigação. No final de janeiro de 2021, o Estadão revelou que o Planalto liberou R$ 3 bilhões em obras a 285 parlamentares – 250 deputados e 35 senadores – em meio à eleição no Congresso. A reportagem teve acesso a uma planilha interna de controle de verbas, até então sigilosa, com os nomes dos parlamentares contemplados com os recursos “extras”, que vão além daqueles que os deputados e senadores já têm direito de direcionar.

O trabalho jornalístico foi dividido em três eixos: aspectos técnicos, orçamentários legais e as possíveis irregularidades no uso da verba. Somente em 9 de maio, foi iniciada a publicação da série Orçamento Secreto, com dezenas de reportagens. Até 6 de novembro de 2021, segundo o próprio jornalista, mais de 40 publicações sobre o tema já haviam sido divulgadas, dissecando o modus operandi do esquema:

“1- Com aval do governo, deputados e senadores aliados ditam a aplicação de bilhões de reais, segundo critérios de interesse individual, e não técnicos, com ocultação de seus nomes, atropelando leis orçamentárias e a transparência;

2- Ministérios aprovavam e desembolsavam as solicitações enviadas diretamente por parlamentares por meio de ofícios não tornados públicos. Eles diziam ter ‘cotas’ e terem sido ‘contemplados’ com ‘recursos a mim reservados’;

3 – Parte do orçamento secreto em 2020 foi pra bancar tratores com valores até 259% acima do mercado;

4- O ‘Tratoraço’ [em alusão às compras feitas com os valores distribuídos] teve a digital do Planalto; irrigou empresas ligadas a políticos; a oposição só teve 4% do orçamento secreto de R$ 3 bi no MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional); políticos indicaram mais de R$ 180 milhões em verbas para fora de seus estados, contrariando interesse do eleitor;

5 – A estatal Codevasf foi um dos canais preferenciais para escoar o dinheiro do orçamento secreto, com suspeitas de irregularidades, e o órgão foi completamente aparelhado pelo centrão e ampliado durante o governo Bolsonaro;

6 – Houve esforço coordenado entre Executivo e Legislativo para impedir acesso às informações. Senadores chegaram a alegar risco à segurança do Estado para recusarem-se a fornecer cópias de documentos que continham suas indicações. Secretaria de Governo (Segov) fraudou a Lei de Acesso à Informação (LAI);

7 – Apesar de o governo dizer que emendas de relator-geral são prerrogativas do Congresso, elas foram usadas pelo ministro Rogério Marinho (MDR) para agradar prefeitos do Rio Grande do Norte e construir mirante ao lado de condomínio privado que ele planeja no interior do Estado. Ibaneis Rocha (MDB) [governador do Distrito Federal] também as usou;

8 – O acompanhamento do fluxo das emendas em 2021 mostrou que elas foram executadas pelo governo na véspera de votações importantes, como a PEC dos Precatórios. Também houve pagamento de R$ 1 bi antes da PEC do Voto Impresso.”

Moeda de troca

A prática de distribuição de emendas, como aponta o UOL, seria utilizada como moeda de troca a fim de facilitar o trabalho da gestão Bolsonaro com as bancadas no Congresso Nacional, já que o pagamento das emendas de relator não é obrigatório constitucionalmente.

O orçamento secreto, ou seja, as emendas RP9 de relator-geral, no entanto, passaram a ser as mais atendidas pelo governo, como revela imagem abaixo retirada do Portal da Transparência, e que faz referência aos empenhos do ano de 2022:

| Captura de tela do Portal da Transparência – acessado em 30.08.2022  

No primeiro ano de mandato, Bolsonaro sancionou R$ 30 bilhões em emendas do orçamento secreto. Ele tinha a opção de vetar os recursos, mas decidiu autorizar o pagamento de 100% das verbas indicadas pelo Congresso. Com isso, segundo o Esta dão, em três anos, o presidente entregou ao Congresso uma decisão sobre o que fazer com R$ 65 bilhões, que deveria ser de seus ministros.

Especialistas ouvidos pelo Estadão relacionam o orçamento secreto com outros escândalos de corrupção descobertos em décadas passadas. Na reportagem, a professora e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo Élida Graziane Pinto argumenta que a prática é um “drible” para turbinar recursos de emendas parlamentares que remonta o Anões do Orçamento — um esquema do início dos anos 1990 que culminou na instalação de uma CPI e afastamento de seis membros do Congresso, além de outros quatro que renunciaram ao mandato antes que a investigação fosse concluída.

No total, durante a gestão Bolsonaro, governo e Congresso destinaram R$ 65,1 bilhões do Orçamento para as emendas do relator. Desse valor, R$ 36,4 bilhões foram empenhados, etapa em que o dinheiro é reservado para ser pago quando o bem ou serviço for entregue.

No orçamento de 2021, conforme a CNN, as emendas de relator foram de R$ 18,5 bilhões – para comparação, as individuais custaram R$ 9,6 bilhões; as de bancada, R$ 7,3 bilhões; e, as de comissão, zero.

Sobre os valores da RP9 de 2021, parecer da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou críticas a seu uso ao recomendar a aprovação das contas do governo Bolsonaro, de acordo com a Folha.

“A utilização do instrumento das emendas de relator-geral tem gerado desafios para o planejamento e a implementação de políticas públicas, assim como dificuldades relacionadas à transparência e à motivação referente aos critérios definidos para a destinação dos recursos oriundos de emendas”, diz o parecer, que, ainda segundo a Folha, “cita o risco de que a utilização sem critérios pode trazer vantagens eleitorais neste ano para os parlamentares que são beneficiados por elas”.

Em julho de 2022, segundo a Agência Senado, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ) indicou para execução R$ 12,3 bilhões de emendas de relator neste ano. Restaram quase R$ 4,2 bilhões que, por conta da eleição, só podem ser usados depois de outubro.

Para se ter uma ideia, de 16.636 “indicações para despesas”, 11.026 foram feitas por 381 deputados, no valor de R$ 5,7 bilhões. “Outras 2.404 indicações têm como origem demandas de 48 senadores, com R$ 2,6 bilhões.”

Participação do PT

Como mostrou a Folha, o voto do senador Rogério Carvalho (PT-SE) foi decisivo para que o Congresso aprovasse, em novembro de 2021, um projeto com novas regras para o orçamento secreto, buscando atender a decisão do STF. Carvalho foi na contramão do que orientou a bancada petista e foi o único do partido a votar a favor.

A proposta foi aprovada com 34 votos a favor e 32 contrários ao texto – o senador foi o voto de desempate.

“Somos uma casa parlamentar. O que foi aprovado foi aprovado por unanimidade. E houve uma ingerência, uma forma de outro poder ingerir (sic) sobre o Legislativo. Como membro da Mesa do Senado Federal, que subscrevi todas as ações junto com os demais membros ao STF, caberia a mim ter a coerência na defesa da institucionalidade do Congresso”, afirmou Carvalho ao justificar seu voto.

Na época, o PT emitiu nota assinada por sua presidente, Gleisi Hoffmann, em que classificou o voto do senador como “um fato grave”. Segundo o texto, Carvalho “contrariou a orientação da bancada do PT no Senado, além das posições conhecidas da direção partidária” e “não cabe ao relator do Orçamento dispor de recursos bilionários para distribuir aos parlamentares”.

Em julho de 2022, Rogério Carvalho foi um dos 13 senadores e deputados dos partidos PT, Rede, PSB e Pros que pediu que o TCU abrisse investigação contra o suposto uso do orçamento secreto para bancar fraudes utilizando o Sistema Único de Saúde (SUS).

O Comprova tentou falar com a assessoria de imprensa do senador por mensagem de texto no WhatsApp e ligação, mas não obteve retorno.

Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que circulam nas redes sociais. A seção Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão, como o orçamento secreto. Desde o primeiro debate eleitoral a medida foi tema de vários conteúdos de desinformação. Publicações desse tipo, envolvendo candidatos à presidência, causam prejuízos ao processo democrático e atrapalham a decisão do eleitor, que deve ser tomada com base em informações verdadeiras.

Outras checagens sobre o tema: No dia 1º de setembro, o Comprova publicou verificação sobre as emendas de relator afirmando ser enganoso vídeo que nega a existência do mecanismo. Anteriormente, em 12 de maio, o Aos Fatos apontou ser falsa a declaração de Bolsonaro de que as informações das emendas de relator (RP9) não são secretas.

Investigado por: Folha de S.Paulo e NSC; Verificado por: Metrópole, Alma Preta, Correio Braziliense, Piauí, Plural Curitiba, GaúchaZH, A Gazeta e Estado de S.Paulo.

VER:

PEC 100 E 105.