Uma das primeiras viagens que fiz, quando ainda menino, nos anos 60, foi um trajeto elaborado pelo meu falecido pai, que tinha grande espírito aventureiro, além de ser um pouco excêntrico nos seus roteiros de viagens.
Certa manhã, ele me chamou na sala, abriu diante de mim um grande mapa do Brasil e, com uma antiga caneta, deslizava sobre o mapa o trajeto que eu e ele iríamos fazer. Sairíamos da Estação da Luz de trem até Presidente Prudente e, de lá, iríamos até Presidente Epitácio, um porto fluvial do rio Paraná. Então desceríamos o rio num pequeno navio até a cidade de Guaíra e, depois, iríamos de Jeep até Foz do Iguaçu. De lá, nós nos dirigiríamos a uma cidade chamada Presidente Stroessner, no Paraguai, e então seguiríamos até Asunción.
Que loucura!, pensei eu, com um olhar meio desafiador…
Enfim, fizemos a tal viagem, que foi maravilhosa! O navio que desceu o rio Paraná parecia um forno, de tão quente. O rio de águas barrentas exalava aventura. Chegamos a Foz do Iguaçu e atravessamos a fronteira, onde conheci um país chamado Paraguai, o qual, já naquela época, vendia todos aqueles produtos importados e em cujos restaurantes tocava-se harpa. Tudo muito diferente, uma terra vermelha, uma gente amável. Passaram-se os anos e aquela viagem ficou na minha memória.
Eu sempre fui levado a imaginar a dependência do Paraguai com relação ao Brasil e à Argentina, via o Paraguai como um país pobre, paraíso dos muambeiros. Mas, como dizia meu avô: “O mundo dá muitas voltas…”. E hoje, após 50 anos, nós nos encontramos, sim, ao contrário, um pobre Brasil, corrupto, desvalorizado eticamente, com uma imensa população pobre e desempregada, vítima de governos corruptos, sem falar da violência e da impunidade.
Acontece que aquele país pobre, chamado Paraguai, desde 2010 apresenta crescimento médio de 5,8%. Seu desempenho na América Latina ficou atrás apenas do Panamá, e, não obstante, foi quase 5 vezes maior que o vivenciado pelo Brasil (que ficou em míseros 1,2%). Já a inflação média no período foi de cerca de 4,4%, contra quase 7% em nosso país. Além disso, a carga tributária guarani gira em torno de 135% do PIB, contra mais de 333% no Brasil. Grandes empresas brasileiras já estão se transferindo para lá, principalmente para Ciudad del Este.
O Paraguai investe pesado em educação, contando com boas faculdades, como é o caso da UPE, Universidad Privada Del Este, importante faculdade de Medicina, com uma infraestrutura de dar inveja a qualquer faculdade de Medicina pública ou privada do Brasil, excelente corpo docente, hospitais equipados e um custo de mensalidade bem mais acessível que no Brasil, o que atrai milhares de brasileiros a prestar um tipo de vestibular chamado “nivelação”.
É o Tigre Guarani formando médicos numa faculdade de alto nível. A que ponto chegamos no Brasil, um pobre país nas mãos de políticos bandidos, onde até na área de educação já ficamos para trás? E mais ainda agora, com o Programa Temer “Menos Médicos”.
Do ponto de vista econômico, como diz Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, que já se instalou em Ciudad del Este, “produtos da China levam de três a seis meses para chegar”, “do Paraguai, as peças demoram 24 horas ou menos para chegar. É o melhor dos dois mundos”, conclui. Enfim, em vista de tudo isso, parece que naquela manhã, quando meu pai me apresentou o roteiro aventureiro, previa ele que o trajeto não era uma aventura. Hoje entendo que aventura é viver neste país da forma que está, de “cabeça pra baixo” sem ter porvir… Daqui a pouco, quem sabe, teremos que aprender guarani…
Fernando Rizzolo é Advogado, Jornalista, Mestre em Direitos Fundamentais
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