O julgamento do Tema 1.199 talvez tenha sido o de maior impacto no STF (Supremo Tribunal Federal) neste ano. Logo após a leitura dos votos, debates, deliberações e fixação das teses, houve o ajuizamento de duas relevantes ações sobre a matéria (ADI 7.236 e 7.237).

O julgamento do tema, em controle difuso, ficou restrito a dois aspectos do novo texto legislativo, quais sejam, a “exigência de dolo para todas as condutas de improbidade administrativa” e o “regime jurídico de prescrição”. Quanto ao segundo tema debateu-se, principalmente, sobre a prescrição intercorrente. Esses dois pontos são revisitados pelas ADI’s 7.236 e 7.237, mas agora em controle concentrado.

O objetivo do presente ensaio é verificar se os debates sobre a constitucionalidade dos dois aspectos enfrentados no Tema 1.199/STF em julgamento sob a sistemática da repercussão geral e em controle difuso de constitucionalidade contaminam o julgamento em controle concentrado nas ADIs 7.236 e 7.237.

No que se refere ao tema do dolo para todas as condutas em improbidade administrativa, o item 10 da ementa do Tema 1.199 afirma que a alteração e previsão do elemento subjetivo “dolo” é uma opção legislativa válida pelo fato de a Constituição ter delegado ao legislador ordinário a forma e tipificação dos atos, bem como das sanções e gradações estabelecidas:

“10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, artigo 37, §4º).”

No tocante à prescrição, também houve o estabelecimento de quais seriam os critérios constitucionais para a sua aplicação e não houve qualquer obstáculo constitucional para impedir o novo regime. Houve apenas considerações sobre a aplicação imediata e retroativa:

“14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17. Na aplicação do novo regime prescricional  novos prazos e prescrição intercorrente , há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: ministro EDSON FACHIN”.

Em que pese a fundamentação apresentada pelo ministro Luiz Fux pareça ser a mais adequada para a prescrição intercorrente, os argumentos constitucionais contidos no voto do relator ministro Alexandre de Moraes, de preservação da segurança jurídica e seus corolários “estabilidade” e “previsibilidade” e “confiança”, permitem a aplicação prospectiva da prescrição intercorrente e a irretroatividade do regime de prescrição principal. Ressalta-se que não foi observado por parte dos ministros do Supremo nenhum fator que pudesse contaminar o novo regime com vício de constitucionalidade.

A ADI 7.236 foi proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). No que se refere à alegação de inconstitucionalidade do elemento subjetivo dolo para todas as condutas de improbidade, o fundamento utilizado foi uma suposta violação ao artigo 37, §6º, da CF e ao artigo 28 da Lindb.

Ora, a Lindb tem status de lei ordinária. Logo, não deveria ser padrão para aferição de inconstitucionalidade. Da mesma forma, o artigo 37, §6º, da CF trata da responsabilidade civil do Poder Público e dos prestadores de serviços públicos. Associar ressarcimento com as sanções de improbidade é um equívoco conceitual. O ressarcimento não é sanção e a ela não se equivale. Ele busca restaurar o patrimônio anterior ao ilícito. A sanção, por sua vez, é uma resposta ao comportamento ilícito com o escopo primordialmente punitivo e preventivo.

No que se refere ao regime de prescrição, a ADI 7.236 afirma que as mudanças da Lei nº 14.230/2021 ofenderiam o artigo 37, §4º, da CF e os corolários da segurança jurídica. Esses argumentos foram enfrentados e afastados quando do julgamento do tema 1.199/STF. Apenas houve a interpretação para que a eficácia fosse prospectiva.

A ADI 7.237, ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), não focou no dolo, mas trouxe questionamentos acerca do regime de prescrição. Afirmou-se, em síntese, que haveria ofensa ao artigo 37, §4º, da CF e ao princípio da proibição da proteção deficiente aplicado à probidade administrativa. Trata-se do Untermassverbot (proibição da proteção insuficiente), na expressão cunhada por Claus-Wilhelm Canaris e trazida ao STF pelo ministro Gilmar Mendes [1].

Um detalhe interessante é que tanto a Conamp como a ANPR participaram do julgamento do Tema 1.199/STF como amici curiae e puderam levantar os mesmos argumentos trazidos nas ADIs 7236 e 7237.

Resta, portanto, compreender em que medida o julgamento do tema 1199/STF, ocorrido na forma de controle difuso, pode impactar nas duas ADIs mencionadas.

Em que pese os que ainda critiquem a gradativa abstrativização do controle difuso, principalmente no julgamento de temas afetados por repercussão geral [2], não há como negar a tendência de aproximação entre os dois regimes de controle de constitucionalidade [3].

São inúmeros os fatores de aproximação, como, por exemplo, possibilidade de modulação e de intervenção de amicus curiae, mas é o elemento “vinculação da decisão” o mais relevante.

Essa aproximação já vem sendo percebida pelo próprio Supremo, que tem reiterado o efeito de perda do objeto das demandas de controle concentrado quando do julgamento de repercussão geral sobre temas idênticos [4]. O fundamento levantado é que haveria prejudicialidade externa da demanda em controle concentrado pelo julgamento em repercussão geral por meio de controle difuso.

Esse mesmo raciocínio pode ser feito em relação a parte dos questionamentos das ADI’s 7.236 e 7.237. Pelo menos em relação ao dolo e ao regime de prescrição, já houve pronunciamento do Supremo quando do julgamento do Tema 1.199/STF pelo regime de repercussão geral.

Assim, existe flagrante ausência de interesse e prejudicialidade externa parcial das ADIs 7.236 e 7.237 em relação ao dolo para todas as condutas de improbidade administrativa e ao regime de prescrição pelo julgamento do Tema 1.199/STF.

[1] A título exemplificativo, o STF aplicou o referido princípio em algumas situações: 1) SL 235, relator ministro Gilmar Mendes, j. 08/07/2008 (decisão concedendo prestações ligadas a direitos sociais); 2) HC 106.163, relator ministro Gilmar Mendes, j. 06/03/2012 (tratando de mandamentos de criminalização de índole constitucional).

[2] ISHIKAWA, Lauro; FROTA JÚNIOR, Clóvis Smith. A abstração do controle difuso de constitucionalidade brasileiro. In: Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 56, n. 222, p. 133-154, abr./jun. 2019. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/56/222/ ril_v56_n222_p133“Não se recusa a ideia da abstração do controle difuso, mas aqueles que argumentam nesse sentido talvez estejam olhando na direção errada. O que se faz mais premente é o reconhecimento de eficácia geral às decisões proferidas nesse campo, tal como sempre se praticou no judicial review, por força do stare decisis, e nesse ponto há que se observar o comportamento que o STF adotará a partir do julgamento proferido nas ADIs nos 3.470 (BRASIL, 2017c) e 3.406 (BRASIL, 2017b), e a aparente expansão de eficácia ali prevista quanto a uma declaração incidental de inconstitucionalidade, sob a forma de uma inconstitucionalidade sucessiva”.

[3] MOUTA, José Henrique Mouta. A supremacia constitucional e a aproximação dos instrumentos de controle difuso e concentrado em decorrência da repercussão geral no recurso extraordinário. Acesso online por https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/3935/1712 em 16/12/2022. “Além dos casos de controle concentrado, é necessário tratar da aplicabilidade erga omnes e vinculante, oriunda do julgamento dos Recursos Extraordinários com Repercussão   Geral (RG). Em regra, a RG provoca uma aproximação entre os sistemas de controle difuso e concentrado”.

[4] STF – ADC 72/DF, relator ministro Ricardo Lewandowski, Julgado em 09/04/2021.


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Frederico Augusto Leopoldino Koehler é doutorando pela USP, mestre e bacharel em Direito pela UFPE, ex-juiz federal instrutor no STJ, atualmente juiz federal do TRF-5ª Região, professor adjunto da UFPE, professor do mestrado profissional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), formador e conteudista da Enfam, membro e secretário-geral adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e membro e secretário-geral da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (Annep).

Silvano José Gomes Flumignan é doutor, mestre e bacharel em Direito pela USP, assessor de ministro do STJ, procurador do estado de Pernambuco, professor da UPE e da Asces/Unita, professor permanente do mestrado profissional do Cers, professor da pós-graduação lato sensu da USP-Ribeirão Preto, do Centro Universitário Toledo/Presidente Prudente e da Asces/Unita, professor da ESA-PE, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Asces/UNITA, ex-pesquisador visitante na Universidade de Ottawa e membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (Annep).

Revista Consultor Jurídico, 26 de dezembro de 2022, 19h34