1.1. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Nos exemplos atuais temos, por exemplo, o Direito de Greve, o qual tem natureza jurídica de direito potestativo coletivo, resultante da autonomia privada coletiva inerente às sociedades democráticas, como afirma Mauricio Godinho Delgado:

“ […] trata-se de um lado, da liberdade de trabalho. De outro, da liberdade associativa e sindical. Ao lado deste, o princípio da autonomia dos sindicatos. Finalmente, como resultado de todos esses fundamentos agregados, a denominada autonomia privada coletiva, que é inerente às democracias[1].”

No âmbito nacional, este direito é amparado e condicionado pela Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo  e 37, que dizem:

“ Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.”

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.”

Bem como é este direito amparado por legislação própria, sendo ela a Lei nº 7.783/1989, a qual dispõe sobre o exercício do Direito de Greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências, como podemos observar em seu artigo , que expõe:

“Art. 1º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.”

José Carlos Buzanello compreende que desobedecer é uma tentativa imperiosa dos cidadãos retornarem à ordem democrática de seu Estado. Também afirma decorrer a desobediência civil da cláusula constitucional aberta, materialmente, do art. 5º em seu parágrafo 2º, interligando-se assim aos princípios da proporcionalidade e solidariedade, os quais permitem protestos contra atos que violem esses princípios da ordem pública. Enquanto não positivado, por estar em uma categoria implícita, o direito de resistência (desobediência civil), busca sua justificação na extensão de outros princípios já dispostos constitucionalmente, como no princípio da dignidade humana e do pluralismo político (art. III e V da Constituição Federal) dentro de um Estado Democrático de Direito[2]. Vejamos:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[…]

III – a dignidade da pessoa humana;

[…]

V – o pluralismo político.”.

“Art. 5º, § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Em contrapartida, também Buzanello entende que o direito de resistência encontra-se explícito na greve política, como já falado na objeção de consciência (art. VIII c/c art. 143§ 1ºCF), no princípio da autodeterminação dos povos (art. IIICF) como fator integrador da ordem político-jurídica:

“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

[…]

III – autodeterminação dos povos.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.”

“Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.

§ 1º Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.”

Na esteira desse pensamento, Maria Garcia também considera estar a desobediência civil implícita no direito fundamental previsto no § 2º do art.  da Constituição Federal. Para ela, a D.C. é um direito fundamental constituída em direito subjetivo público que consiste em medidas ou técnicas de proteção das prerrogativas da cidadania, como explicita:

“A desobediência civil é um direito fundamental de garantia, contido no mandamento do art. § 2º, da CF. Decorre do direito constitucional à liberdade e destina-se, portanto, à proteção da cidadania, ápice da liberdade. Como direito de garantia ou proteção pode consistir na resistência passiva ou exteriorizar-se em atos ou medidas, não jurisdicionais perante os Poderes Públicos, e tem como fundamentos o princípio democrático e o princípio republicano – do governo da res pública, com o seu requisito de igualdade e de participação nas esferas essenciais do Estado.

[…]

Nesse sentido, o poder de intervir na produção da norma admite o poder de intervir na sua alteração ou modificação com fundamento, então, na sua incompatibilidade com a própria Constituição; daí a abrangência dos atos de autoridade igualmente conflitivos com a ordem constitucional, nesta compreendidos outros direitos fundamentais compatíveis[3].”

Garcia também defende que a forma que entrevemos do exercício da D.C. possibilita-se na conformidade do que se assegura no inciso XXXIV [4]do mesmo artigo, que expressa:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;”

Portanto, a desobediência civil é considerada legal por estar acolhida tanto implícita quanto explicitamente na Constituição Federal de 1988, tendo o cidadão o direito-dever de vindicar mudanças no ordenamento jurídico ou fim de uma política injusta e opressora[5].

1.2. CÓDIGO PENAL

Em que pese à parte geral do ordenamento jurídico penal brasileiro, são causas de exclusão de ilicitude: a) o estado de necessidade; b) a legítima defesa; c) o estrito cumprimento do dever legal e; d) o exercício regular do direito, como prevê os incisos III e III do art. 23 do Código Penal, o qual declara não haver crime quando o agente pratica uma dessas circunstâncias.

Já em sua parte especial, nos incisos I e II do art. 128 do mesmo código, encontra-se: a) o aborto necessário e; b) o aborto no caso de gravidez resultante de estupro, respectivamente, quando o médico pratica o aborto se não há outro meio de salvar a vida da gestante e se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Hipóteses essas que são consagradas pela doutrina e jurisprudência como causas supralegais de exclusão da ilicitude, em razão da inexigibilidade de conduta diversa.

A desobediência civil, dentro do Código Penal, é uma resistência lícita uma vez que não descriminaliza a conduta tida ilícita, devidamente assentada em tipos penais, podendo ser considerada uma “situação supralegal de exculpação[6]” de fundamento constitucional, como o comprovado em alegações anteriores neste trabalho. Protege-se desta forma a legalidade da desobediência civil no intuito de evitar que suas legítimas manifestações sejam criminalizadas.

A culpabilidade não foi conceituada no Código Penal, encarregando essa tarefa à doutrina o que gera discussões acerca de sua posição sistemática, ou seja, como integrante do conceito de crime ou não, e de suas funções. Esta ausência de uniformidade, segundo Marcela Baudel de Castro, dificulta o cotidiano do operador do direito e sua conclusão acerca da responsabilização do agente[7].

Na esteira desse pensamento, Juarez Cirino dos Santos também entende a desobediência civil como exculpação extralegal, argumenta:

“Autores de fatos qualificados como desobediência civil são possuidores de dirigibilidade normativa e, portanto, capazes de agir conforme ao direito, mas a exculpação se baseia na existência objetiva de injusto mínimo, e na existência subjetiva de motivação pública ou coletiva relevante, ou, alternativamente, na desnecessidade de punição, porque os autores não são criminosos – portanto, a pena não pode ser retributiva e, além disso, a solução de conflitos sociais não pode ser obtida pelas funções de prevenção especial e geral atribuídas à pena criminal[8].” (grifos do autor)

Desta forma, vemos que a desobediência civil tem seu reconhecimento no âmbito criminal por ser causa de exclusão da culpabilidade em razão de inexigibilidade de conduta diversa, não só pelo consentimento doutrinário como jurisprudencial como veremos a seguir.

REFERÊNCIAS

CAMARGO, Marina dos Santos Martins Camargo. A desobediência civil e a rebelião dos encarcerados. Monografia. Faculdade de Direito Laudo de Camargo (UNAERP). Ribeirão Preto: 2018.

[1] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. ed. 11. São Paulo: LTr, 2012. p. 1.426 apud DOS SANTOS, Lara Monyque Barboza; EVANGELISTA, Evelyn Carine Vilas Bôas. A greve: características e implicações no mundo jurídico e social brasileiro. Revista Unifacs. Universidade de Salvador: 2012. 13 p. Disponível em: <https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/3063/2213>; Acesso em: 14 nov. 2018.

[2] BUZANELLO, José Carlos. Em torno da constituição do direito de resistência. Revista de informação Legislativa, Brasília, v. 168, 17 – 19 p. 2005 apud Revista Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-jurídico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1342&g…; Acesso em: 14 nov. 2018.

[3] GARCIA, Maria. Desobediência Civil: Direito Fundamental. 297 – 298 p. ed. 2. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

[4] Ibidem 299. p

[5] DIAS, Luan Guilherme; NETO, Zaiden Geraige. Em defesa da cidadania: a desobediência civil como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Revista Jurídica Cesumar: 2017. 8 p. Disponível em: <https://www.enlaw.com.br/revista/291>; Acesso em: 14 nov. 2018.

[6] DIETER, Maurício Stegemann. A inexigibilidade de comportamento adequado à norma penal e as situações

supralegais de exculpação. 2008. 192 p. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito

da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1884/15149>aput DIAS; NETO, op. cit. 17 p.

[7] DE CASTRO, Marcela Baudel. A culpabilidade no Direito Penal Brasileiro. Jusnavegandi: 2013. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/23766/a-culpabilidade-no-direito-penal-brasileiro>. Acesso em: 15 nov. 2018.

[8]DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal: parte geral. 3 ed. Curitiba: Lumen Juris, 2008, 345 p. apud DIAS; NETO, op. cit. 17 p.