Tecemos aqui breves considerações acerca do veto e sua disciplina no âmbito do processo legislativo, em especial a possibilidade de deliberação legislativa a seu respeito, prevista nos §§ 4º e 6º, do artigo 60 da Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013).
Segundo a lição do professor José Afonso da Silva, “por processo legislativo entende-se o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção, veto) realizados pelos órgãos legislativos visando à formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos”.
Da análise do conceito acima fornecido, podemos visualizar, assim como o faz a doutrina brasileira, a existência de três fases no processo legislativo, quais sejam: a) a fase de iniciativa, pela qual é instaurado o procedimento que deverá culminar com a formação da espécie normativa; b) a fase constitutiva, na qual se tem “a conjugação de vontades, tanto do Poder Legislativo (deliberação parlamentar – discussão e votação) como do Executivo (deliberação executiva – sanção e veto)”; c) a fase complementar, consistente na promulgação e na publicação da lei.
A disciplina constitucional do processo legislativo, mais especificamente de sua fase constitutiva – enfoque do presente estudo – encontra-se no artigo 66 da Constituição Federal e seus parágrafos e, por simetria ENQUADRA A CÂMA DE VEREADORES DE ILHÉUS.
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
- 1º – Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
- 2º – O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.
- 3º – Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.
- 4º – O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias (NO CASO VETOS PRESIDENCIAIS, pois o sistema legislativo brasileiro é bicameral. NO CASO DA CÂMARA DE VEREADORES o prazo é 15 dias úteis) a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.
- 5º – Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.
- 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001).
- 7º – Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.
Percebe-se, portanto, que o veto apresenta-se como importante mecanismo para o adequado funcionamento do sistema de freios e contrapesos). Segundo o Ministro Luiz Fux, “ele faz a interlocução entre instituições legislativas e executivas no processo de elaboração das leis, tornando ainda mais lógico o processo de vocalização dos anseios populares”.
No entanto, não obstante o poder assegurado ao Chefe do Executivo de vetar projeto de lei, no todo ou em parte, por considera-lo inconstitucional ou contrário ao interesse público, a Constituição atribui ao Congresso Nacional a palavra final em matéria de processo legislativo, autorizando-o a rejeitar o veto do Executivo (artigo 66, § 4º da CF) e aprovar o projeto de lei tal como originalmente confeccionado (artigo 66, §§ 5º e 7 da CF).
Essa possibilidade de superação legislativa do veto presidencial, conforme previsto nos §§ 4º e 6º do artigo 66 da Constituição Federal, deve ser exercida no prazo de trinta dias a contar de seu recebimento, de modo que o desrespeito ao referido prazo acarreta as seguintes consequências: a) a inclusão do veto na pauta da sessão legislativa seguinte; e, b) o sobrestamento das demais proposições, até a deliberação do Congresso Nacional. (O PRAZO PARA VOTAÇÃO DOS VETOS DAS ‘CIQUENTINHAS’ VENCEU DIA 02 DE JUNHO ÚLTIMO).
Tendo em vista a disciplina constitucional acima estabelecida, surge o seguinte questionamento: poderia o Congresso Nacional deliberar acerca de quaisquer vetos, a qualquer momento? Ou seja, haveria a necessidade de observância da ordem cronológica de comunicação dos vetos?
Tais questões foram objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do MS 31.816 MC/DF. No caso, o mandado de segurança foi impetrado por deputado federal contra ato da Mesa Diretora do Congresso Nacional que aprovou requerimento de urgência para exame do Veto Parcial 38/2012, aposto pela Presidente da República ao Projeto de Lei 2.565/2011, que dispõe sobre a distribuição entre os entes federados de royalties relativos à exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos.
Em decisão monocrática brilhantemente fundamentada, o Ministro Luiz Fux concedeu liminar no writ em comento, determinado à Mesa Diretora do Congresso Nacional que se abstivesse de deliberar acerca do Veto Parcial 38/2012 antes que se procedesse à análise de todos os vetos pendentes com prazo de análise expirado até a data da decisão, em ordem cronológica de recebimento da respectiva comunicação.
Colacionam-se, abaixo, excertos da fundamentação adotada pelo Ministro-relator:
“Tal como imperativamente redigidos, os comandos insculpidos no artigo 66, §§ 4º e 6º, da CF, impõem um autêntico dever constitucional de deliberação legislativa. Deliberação essa que tem objeto preciso e bem delimitado: o veto presidencial cujo prazo de apreciação já tenha expirado. Ao impor um dever de atuação ao legislados, os aludidos preceitos tornam possível a configuração de omissões inconstitucionais, cujo perfil dogmático reclama exatamente um non facere qualificado por norma constitucional que obrigue determinada conduta positiva (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2001, p. 1004).
(…)
Não pode o Congresso Nacional, em evidente atropelo, ignorar a realidade e, ao seu alvedrio, deliberar acerca de quaisquer vetos. Extrai-se da sistemática constitucional um nítido dever de observância da ordem cronológica de comunicação dos vetos. (A PARTIR DESTE MOMENTO A CÂMARA DE ILHÉUS NÃO PODE VOTAR NADA ATÉ QUE SE APRECIEM OS VETOS E DELIBERE SOBRE O PROJETO 098/2014, que “dispõe sobre o registro e licenciamento de ciclomotores ‘Cinquentinhas’ no município de Ilhéus”. Portanto, enquanto não se votar os Vetos das ‘cinquentinhas’, toda pauta seguinte será obstruída).
A razão é simples: o próprio texto constitucional – e não o Poder Judiciário – suprimiu o poder de agenda do Legislativo na hipótese de inertia deliberandi acerca do veto presidencial. Deveras, considerada a importância dessa discussão, notadamente sobre a dinâmica da Separação dos Poderes, o constituinte foi categórico ao determinar o trancamento da pauta, que somente poderá ser reaberta com a votação acerca do veto. A inércia do legislador durante os trinta primeiros dias do recebimento do veto transmuda-se ipso iure (com o vencimento do prazo), em obrigação constitucional de decidir especificamente sobre o veto pendente, o que significa nada mais do que a própria supressão constitucional do poder de livre escolha sobre o que deliberar.
Para que não restem dúvidas: o Congresso Nacional possui, em regra, a prerrogativa de selecionar o que decidir, construindo sua agenda política consoante seu juízo de conveniência e oportunidade. Essa prerrogativa, todavia, é suprimida pela Constituição na hipótese de inércia (por mais de trinta dias) na deliberação acerca do veto presidencial. Vencido este prazo, o artigo 66, § 6º da Lei Maior, impõe seja deliberado um assunto específico (i.e., o veto pendente – e nenhum outro), prejudicadas todas as demais discussões eventualmente constantes da pauta legislativa, trancada que fica por força da Constituição. Forçoso concluir que o primeiro veto recebido e não apreciado tempestivamente sobrestou a deliberação de todos aqueles que o sucederam, os quais, portanto, se encontram insuscetíveis de serem decididos antes que os anteriores o sejam.”
O entendimento consubstanciado na mencionada decisão monocrática não implicaria retirar-se do Congresso Nacional a discricionariedade de “construir sua agenda política”, consistente na seleção das matérias que devem ser objeto de apreciação – em especial, a deliberação acerca do veto.
Pelo contrário, tal juízo de conveniência e oportunidade permaneceria incólume, desde que observado o prazo de trinta dias preconizado no artigo 66, § 4º, da Constituição Federal. Ou seja, a partir do momento que o Legislativo encontrar-se em mora – a denominada inertia deliberandi – o próprio texto constitucional imporia a necessidade de observância de ordem cronológica na apreciação dos vetos.
Ademais, não poderia o Congresso Nacional se valer do descumprimento do artigo 66, § 6º, da Constituição Federal – não apreciação dos vetos presidenciais no prazo de trinta dias – levado a efeito durante anos, para justificar, segundo as palavras do Ministro Luiz Fux, “uma casuística subversão da ordem cronológica de deliberação dos vetos”.
Em que pesem os argumentos expostos pelo Ministro-relator, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, revogou a medida liminar concedida, dando provimento a agravo regimental em face dela interposto.
No caso prevaleceu o voto do Ministro Teori Zavascki que, não obstante concordar com o Ministro Luiz Fux no que concerne ao descumprimento das cláusulas constitucionais que disciplinam a votação sobre o veto presidencial (artigo 66, §§ 4º e 6º da CF), bem como acerca da sanção acarretada pelo não atendimento do prazo fixado na constituição (colocação do veto na ordem do dia, sobrestadas as demais proposições até sua votação final), entendeu que:
“A aplicação rígida dos referidos artigos constitucionais, com eficácia retroativa, não apenas imporia futuro caótico para atuação daquela casa legislativa – a paralisar nova deliberação, exceto a de vetos pendentes por ordem de vencimento –, assim como causaria insegurança jurídica sobre as deliberações tomadas pelo Congresso Nacional nos últimos 13 anos”.
Diante da manifestação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, na situação em comento, deliberando acerca do veto parcial aposto no projeto de lei 2.565/2011 – sem observância de ordem cronológica – acabou por rejeitá-lo, tendo a Presidenta da República promulgado as partes vetadas da Lei 12.734, de 30 de novembro de 2012.
Em que pese à manifestação da maioria dos Ministros do Excelso Pretório, entendo que razão assiste ao Ministro-relator Luiz Fux, vencido, acompanhado dos Ministros Marco Aurélio, Celso de Melo e Joaquim Barbosa.
Isso porque, como exposto acima, a simples existência de vetos presidenciais pendentes de deliberação legislativa (não observância do prazo de trinta dias) apresentar-se-ia suficiente para retirar da Casa Legislativa a discricionariedade de escolha daqueles que seriam objeto de deliberação.
Isso em razão das consequências automaticamente previstas no § 6º do artigo 66 da CF para a inobservância do prazo constitucional, quais sejam, a inclusão do veto na pauta da sessão legislativa seguinte e o sobrestamento das demais proposições, até a deliberação do Congresso Nacional.
Por fim, corroborando tal posicionamento, cumpre transcrever, por sua maestria, o entendimento do Ministro Celso de Mello, exposto no julgamento em tela, constante do Informativo n. 696 do STF, no sentido de que “nenhum Poder da República teria legitimidade para desrespeitar a Constituição ou para ferir direitos públicos e privados de seus cidadãos. Além disso, consignava que o debate envolveria típica situação de inconstitucionalidade por omissão, a comprometer a força normativa da Constituição. Mencionava a prática institucional em que o Congresso Nacional diminuir-se-ia perante o Poder Executivo ao não exercer o dever que lhe incumbiria, pela Constituição, de apreciar os vetos presidenciais, o que os transformaria, de superáveis e relativos, em absolutos”.
Matéria de OLDACK ALVES DA SILVA NETO: Procurador Federal da Advocacia-Geral da União, com alguns adendos (DEVIDAMENTE AUTORIZADOS) do portal jornaldoradialista.com.br
Nota do Jornal do Radialista: TANTO A LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE ILHÉUS COMO O REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA MUNICIPAL SÃO OBSOLETOS, PRIMITIVOS E MORTOS. A ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO ACONTECEU Á 15 ANOS, E MESMO ASSIM, MAL FEITA.
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