É quarta-feira e a Rua do Paraíso, local conhecido pelos moradores de Salvador por vender adereços para abrilhantar as fantasias de Carnaval, não está com a mesma agitação dos anos anteriores, com foliões agoniados procurando aquele spray de pintar cabelo na última hora. “Olha, isso aqui normalmente estaria uma loucura, daria nem tempo de sentar. Costuma ser bem movimentado”, brincou a atendente Vanessa Silva, olhando para as perucas coloridas que saem em média a R$ 25. “Mas, chegou essa pandemia, tudo mudou. Parece até que é outro mundo. Fazer o quê, né? Melhor ficar vivo pra comemorar depois”, disse, um sorriso conformado atrás da máscara.

Em 2022, o Rei Momo receberia as chaves da cidade na noite de hoje, primeiro dia oficial do Carnaval. Alguns, mais animados, já teriam começado a correr atrás de trios desde o último domingo (20), quando o calendário da festança em Salvador seria aberto pelo Furdunço, com bloquinhos e fanfarras na Barra, reunindo gente de toda parte do mundo curtindo todos os tipos de ritmos e manifestações culturais, como os sambas e os afoxés. Porém, com a permanência da Covid por aqui e a suspensão da festa pelo poder municipal, ‘entrou água’ nos planos de quem queria curtir um bloquinho. “Eu tô tristíssima que não vai ter de novo. Já tinha preparado fantasia e tudo”, lamentou a foliã Larissa Luz, que não dispensava uma pipoca.

Para quem vive da folia ou tira um sustento extra nos seis dias oficiais, também fica um vazio: apesar da aprovação do SOS Cultura II, que dará uma parcela de R$ 2424 aos profissionais do entretenimento cadastrados em órgãos como a Fundação Gregório de Mattos (FGM), a Salvador Turismo (Saltur) e a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult) como um auxílio para a ausência de renda pelo cancelamento do Carnaval, nem todo mundo será contemplado. “As pessoas estão sofrendo, sem ter qualquer tipo de auxílio. Alguns estão vendendo tudo o que possuem, a preços baixíssimos”, revelou um empreendedor responsável por alugar trios elétricos.

A renda da festa de Momo fará falta principalmente a quem trabalha na informalidade, que vai com os materiais, a cara e a coragem para um dos circuitos principais da folia ou mesmo para o carnaval dos bairros. Mary dos Santos, que complementa as diárias de faxina com seu isopor de bebidas no Campo Grande e já trabalhou como cordeira, também ficou a ver navios. “É um dinheirinho a mais, né? Tudo conta, principalmente quando você não está de carteira assinada. Eu normalmente trabalho em eventos, sou fritadeira. Mas a pandemia fez muita gente cancelar casamento, aniversário, essas coisas. Estava torcendo para que esse vírus fosse embora. O jeito é esperar outro Carnaval”, ponderou.

Flávio Maciel, presidente do Conselho Municipal do Carnaval (Comcar) acredita que os prejuízos do cancelamento das festividades não são apenas para donos de blocos e camarotes. Mas sobretudo para famílias de pessoas como Mary: cordeiros, ambulantes e mototaxistas, que tiram dos eventos o sustento. “A situação é desesperadora. Tem músico vendendo os próprios instrumentos para colocar comida na mesa”, comentou. E mesmo que alguns eventos privados tenham sido mantidos, para produtores de eventos não há comparação com a festa como conhecemos. É o que pensa Binho Ulm, sócio da 2gb Entretenimento, que adotou o novo formato para não ficar parado durante o período que receberia a folia, mas espera ver as festas fechadas como uma solução pontual.

“Trabalho com Carnaval há 20 anos. Nossa produtora nasceu fazendo bloco de rua e, para a gente, é muito triste não ter nenhum evento no Carnaval. Na minha opinião, Carnaval tem que ter trio, multidão e festas de camarote”, opinou.