Campeão brasileiro em 2009 pelo Flamengo e eleito melhor técnico do certame na época, Jorge Luís Andrade da Silva, mais conhecido como Andrade, vai comandar o Jacobina no Baianão 2015. Na última quarta-feira, o mineiro de Juiz Fora, 57 anos, por telefone e direto do Rio de Janeiro, onde curtiu o Natal com a família, falou, dentre outros assuntos, sobre o desafio de estar à frente do Jegue da Chapada, que volta à elite estadual após 20 anos de ausência. Recordista de títulos brasileiros (cinco como jogador e um como técnico), Andrade disse não ter mágoa do Flamengo; rebateu as declarações do ex-zagueiro Fábio Luciano – que afirmou: “Andrade não é técnico” – e evitou falar sobre racismo no futebol, pois, para ele, “no Brasil o tema não é levado a sério”.
Qual a sua expectativa em realizar seu primeiro trabalho na Bahia, como novo técnico do caçula Jacobina?
Para mim, é um desafio, um novo horizonte na minha carreira. Pela primeira vez, irei treinar um time do Nordeste e espero ter sucesso. Quero muito dar minha contribuição para que o Jacobina tenha um ano de sucesso e, logo de cara, nossa intenção é fazer um belo Campeonato Baiano em 2015.
Como surgiu o convite para treinar o Jacobina?
Recebi o convite do deputado (estadual pelo PSB) Marcos Antonio Novais (Pastor Manassés) e, prontamente, aceitei. Além de gerir o clube – Manassés é diretor-presidente da Onsoccer Brasil, empresa gestora do Jacobina-, ele realiza um trabalho fora das quatro linhas muito interessante. Achei bastante positivo o trabalho que a Instituição Manassés realiza, que é o da recuperação e reintegração de jovens com dependência química (desde 2009). Eu consigo ver que o futebol pode ser uma ferramenta de inclusão social, acho que o esporte pode tirar muita gente das drogas e o Jacobina pode, sim, levantar esta bandeira. Também queria sair um pouco do eixo Rio-São Paulo.
Já conhece o clube? Tem noção da infraestrutura que lhe foi disponibilizada para treinos, por exemplo?
Estava em Salvador desde o último dia 16. Regressei ao Rio de Janeiro para passar o Natal com minha família, mas no dia 26 – última sexta-feira – já voltei para aí. O que conheço do clube é o local onde treinamos, o sítio do Caju (em Lauro de Freitas). Até agora, não posso reclamar. Temos toda infraestrutura para realizarmos um bom trabalho. Neste primeiro contato que tive com o time, foi um período para conhecer melhor os jogadores, fazer uma avaliação técnica da equipe que vai se reapresentar no dia 1º de janeiro. Ver, por exemplo, quais são e se tem carências.
Você participa da formação do elenco? O que a torcida do Jacobina pode esperar?
Futebol não tem segredo, não tem mágica. Resume-se a muito trabalho, comprometimento. Posso prometer que ao time não vai faltar garra, dedicação, hombridade. O nosso intuito é o de levar o Jacobina a ficar entre os quatro primeiros colocados. Bahia e Vitória não terão vida fácil. Quanto à formação da equipe, eu trouxe comigo dois atletas: Felipe e Edson. O primeiro é um lateral esquerdo habilidoso, veloz, tem 28 anos. Já Edson é um zagueiro, atuou muito bem pelo Macaé-RJ. Minha participação por enquanto foi essa na formação do time.
E como competir de igual para igual com a dupla Ba-Vi, que tem elenco com folha salarial bem superior à do Jacobina?
Volto a falar: futebol não tem mágica. Estamos cientes que a realidade da dupla Ba-Vi é muito diferente da nossa. Mas engana-se quem pensa que, por isso, vamos esmorecer. No Jacobina, cada jogador vai se doar ao máximo quando entrar em campo. Vou cobrar isso de cada um! Dedicação total ao clube, à camisa que eles terão a honrar de vestir. Cada atleta precisa ver que defender as cores do Jacobina é motivo de orgulho para muita gente. Nas minhas pesquisas, vi que após anos o clube volta à elite estadual. Agora é a hora de mostrar seu valor, honrar a camisa do Jacobina e deixar claro que entraremos na competição respeitando, é claro, cada adversário, mas não temendo nenhum.
Seu último clube foi o São João da Barra, da segunda divisão carioca, em maio. Por que ficou tanto tempo sem trabalhar?
Tive algumas propostas, mas nenhuma delas me satisfez. Tive proposta do Araxá-MG, do Anapolina-GO… Não recentemente, mas logo após eu ter saído do Flamengo (em 2009), tive sondagens do Vitória, do Bahia… mas nunca uma proposta oficial.
Como era seu dia a dia?
Eu acompanhava tudo que se passava na televisão sobre futebol. Assistia aos jogos da Série A, B, C, D… torneios internacionais, tudo. Tentava, ao máximo, estudar táticas, acompanhar as tendências do futebol moderno. Ainda participei de palestras, fiz dois cursos após a Copa do Mundo. Mesmo afastado, tentei, ao máximo, acompanhar o que se passava no futebol brasileiro e de fora.
Quatro meses após ser campeão brasileiro com o Flamengo, em 2009, e ter sido eleito o melhor técnico do país, você foi demitido pela então presidente Patrícia Amorim. E nunca mais conseguiu retornar à elite do futebol como técnico. Ficou mágoa do clube que tanto foi importante na sua vida?
Na verdade, eu já esqueci disso. Tenho um coração bom, não guardo mágoa. É claro que na época do ocorrido fiquei muito, mas muito triste. Afinal, o Flamengo foi a minha casa durante muitos anos. Na época da minha demissão, tinha perdido o Estadual, mas levado o time às oitavas de final da Libertadores. E aí? Era pouca coisa? Meus números estão aí para quem quiser ver. Com 76% de aproveitamento, você sair do clube não é normal. Muitos diziam que eu tive sorte no Flamengo em 2009. Como é que pode ter sorte em 25 jogos? Sorte o cara tem quando faz dois jogos. Depois pensei até em jogar na Mega Sena, já que eu estava com tanta sorte (risos). No Brasil se troca muito de treinador, mas não era meu caso. Eu não saí por causa de resultado. Foi mais uma questão política.
Em 2011, numa entrevista publicada no site UOL, você afirmou que no Flamengo foi alvo de racismo pelos dirigentes. Isso gerou sua demissão?
Essa questão, de racismo, eu não gostaria de falar (pausa, seguida de respiração profunda). Pode ser que eu tenha desagradado algum empresário por não ter escalado jogador A ou B. Mas comigo isso não cola. Escalo o melhor para o time, não por interesse de um ou outro. Pode ter sido isso também, quem sabe.
Por que não falar de racismo? Ficou um trauma?
Não é um trauma, mas aqui no Brasil o tema não é levado a sério. Você conta nos dedos os técnicos negros em times da Série A. Este ano teve vários casos de racismo no futebol do país. E aí? Cadê a torcedora gremista que chamou o Aranha (goleiro do Santos) de macaco? Na época, teve uma repercussão na mídia tremenda. Depois, passou. Ela não sofreu nenhuma punição, está livre. Cansa falar de racismo no Brasil porque não é levado a sério.
Campeão carioca com o Flamengo, o ex-zagueiro Fábio Luciano declarou ao programa FOX Sports Rádio que “Andrade nunca foi treinador” e garantiu que o título Brasileiro de 2009 foi graças à dedicação dos jogadores, que se uniram em busca do caneco. E aí, você é ou não um treinador?
Primeiro, ele não foi campeão Brasileiro em 2009, aposentou-se antes. Tem pessoas no Flamengo que tentam desqualificar os outros. Respeito o Fábio como pessoa, mas essa declaração dele foi muito infeliz. Em parte, até entendo, já que nessa época, ele estava ligado a pessoas, a diretores que não me queriam no clube. Para mim, foi uma declaração motivada por um forte contexto político. Eu tenho larga experiência no futebol. Trabalhei sete anos como auxiliar de Zico, no CFZ do Rio de Janeiro; dois anos no sub-17 do Flamengo. Não cai de paraquedas no futebol, não.
Mas por que, então, você não deu certo em nenhum clube pós-Flamengo?
A verdade é que após o Flamengo só teve um clube que assumi desde o início da temporada. Foi o São João da Barra, este ano. Ao todo, tive 10 vitórias, três empates e três derrotas em 16 jogos. Um aproveitamento de 68% dos pontos. Ficamos por um triunfo para ir à fase final da Segunda Divisão carioca. Já no Brasiliense, Paysandu e Boavista cheguei já com as competições acontecendo. Chegava pressionado por resultados imediatos. Era complicado. Agora, no Jacobina, terei novamente uma chance de ouro. Começar um trabalho desde o início.
Como fica isso no seu íntimo? O Flamengo, um clube que te proporcionou tanta alegria, mas ao mesmo tempo lhe rendeu uma enorme decepção.
Eu, sinceramente, não guardo rancor. Para mim, serviu de aprendizado. Espero que para o Flamengo também. Basta olhar. logo depois que eu saí do clube, o castelo desmoronou. Petkovic saiu, Adriano também saiu e o Flamengo foi mal. Por que após minha saída não ficou um time vencedor?
Já que você lembrou de Adriano, como você encara a atual situação do atacante, que foi o artilheiro daquele Brasileiro de 2009 e hoje, apesar de ter acertado sua ida para o Le Havre, clube da Segunda Divisão do Campeonato Francês, carrega o rótulo de ser um ex-jogador?
Muito triste (pausa), muito triste. Em 2009, Adriano foi essencial ao Flamengo. Nos ajudou bastante, sendo artilheiro. Sem seus gols, seria difícil termos conquistado o título. Eu torço, espero do fundo do coração que ele tenha sucesso nesse novo clube. Se ele quiser, ele volta a ser o atacante de talento, de qualidade que sempre foi. Basta se empenhar, ter foco.
Muita gente não se lembra, mas, em 2012, você conviveu de perto com a morte. Como foi superar isto?
Sem dúvidas. Em dezembro de 2012, passei por uma artroscopia no joelho esquerdo. Cinco dias depois, tive complicações e fui internado na UTI. Fiquei 15 dias lá. Sofri uma embolia pulmonar, uma trombose na perna esquerda. Depois, um rim parou, o fígado parou… Era uma coisa atrás da outra. Muita coisa passou pela minha cabeça. Mas superei e estou vivo, ansioso para que o Baiano comece logo.
Fonte: A Tarde
Sem Comentários!
Não há comentários, mas você pode ser o primeiro a comentar.